Quase nasci assistindo a uma peça teatral. Quando minha mãe, Maria, e meu pai, Jair, estavam saindo de casa, a parteira, D. Antônia, que era vizinha, alertou: “Cuidado, Maria, que essa criança vai nascer no circo!”
Naquele
tempo, os circos terminavam a função com uma peça teatral bem melodramática.
Talvez a voz alta dos atores tenha me atingido onde eu estava escondida e
despertado minha curiosidade para saber o que eles estariam fazendo... Isso
deve ter me apressado a resolver a situação. Mas não nasci no circo, como
predissera a boa senhora, e sim em minha casa, poucas horas depois, (não acredito em horóscopos, mas vá lá...) quando
a esplêndida constelação do Escorpião era atravessada pelo Zodíaco e também
estava ascendente, foi que abri os olhos para
este espetacular teatro que é a vida. Duplamente “escorpião”, logo eu que tenho
pavor desse animalzinho...
A
minha infância foi impregnada de arte teatral, pois meus pais não perdiam as
peças que eram encenadas na cidade e eu, desde bem pequenininha, os
acompanhava. Naquela época aqui se apresentavam as grandes companhias do Rio de
Janeiro, como a do famoso Procópio Ferreira, sempre acompanhado da linda filha
Bibi. Também o teatro local era muito forte, com atores de excelente qualidade.
Eu usufruía isso com prazer.
Aos
seis anos, quando cursava o Jardim da Infância no Colégio “Nossa Senhora de
Nazaré”, a minha professora, Didi Ramos, era um verdadeiro prodígio e sabia
fazer teatrinhos como ninguém. Suas festas eram preciosas! Na peça “A Gata
Borralheira”, eu fui a madrasta e houve comentários de ter sido muito realista,
castigando de verdade – coitadinha! - a minha linda enteada, a saudosa lourinha
Liège Giacomini.
Cismei
de escrever uma peça teatral quando tinha nove anos. Seu nome: “A princesa
Raiozinho de Luar”. Ensaiei-a com a criançada que brincava comigo (vizinhos e
parentes), sendo princesinha a linda e suave Leda; eu era a bruxa malvada. No
dia da apresentação, os bondosos vizinhos da Rua Miguel Garcia foram convidados
e pacientemente nos prestigiaram.
Nos tempos do Curso Ginasial, foi encenada no
Colégio a peça “D. Bosco”. Eu protagonizei o santo. Era impressionante o trecho
em que o demônio, depois de tentar o sacerdote, pulava em uma abertura que
havia no assoalho e de onde saía um verdadeiro fogaréu (o recurso cenográfico
era muito bem feito e me fascinava). A peça foi um sucesso! Tanto que, no ano
seguinte, resolveram repeti-la. Mas surgiu um problema: a aluna que
representava o demônio havia formado e ninguém queria aceitar o papel do
“tinhoso”. Foi quando me ofereci para representá-lo, resolvendo o problema
porque “santo” todo mundo queria ser... Assim, na mesma peça fui santo e depois
demônio.
Na
década de 50, então residindo na paróquia de São Sebastião, quando ali encenaram
a vida de Santa Terezinha mais uma vez assumi a santidade. Era emocionante a
cena de minha morte, quero dizer, da morte de minha personagem! A turma do
teatro era fabulosa, muito envolvida com a arte cênica, constituindo um
capítulo honroso da História Teatral Lafaietense. Guardo com carinho dois
retratos: num eu estava vestida de noiva, como era necessário para receber o
hábito e, no outro, já com o hábito de
carmelita.
Estreei
minha vida profissional no magistério com um teatrinho, pois, no meu primeiro
mês de aula, para ensinar “proteínas” escrevi uma pecinha sobre o assunto e
encenei com os alunos. Era a história do Chapeuzinho Vermelho, só que a letra
que a menininha (era a linda Vitória Rezende, hoje também Nogueira) cantava, em
vez da canção tradicional, uma adaptação, na qual Chapeuzinho ia “levar
proteínas para a vovozinha” e prosseguia citando-as. Havia também um menino
“fraquinho” que não aguentava a carregar um pequeno feixe de lenha e recebeu,
do Chapeuzinho Vermelho, sábias instruções sobre alimentos. Nem é preciso dizer
que, na prova sobre o assunto, a turma brilhou! Está aí a escritora Vitória que
não me deixa mentir...
Mas
o ponto alto de minha carreira de “teatróloga” foi a revista musical infantil “Minha Cidade”, com
alunos do Grupo Escolar “Inconfidência”, encenada, por gentileza das Irmãs, no
palco do Colégio “Nazaré”. A platéia estava lotada. Muitas autoridades. Estavam
presentes os ex-combatentes de Lafaiete, pois seriam homenageados. Foram muitos
quadros, num período de mais de uma hora, sem interrupções. O coral que
acompanhava o enredo era magnífico, de alto nível, ensaiado pela competente
professora de canto Regina Leão. As principais profissões exercidas na cidade
foram focalizadas. O quadro das lavadeiras, de grande efeito visual, as quais entravam com trouxinhas de roupa na
cabeça e depois iam para a fonte lavá-las, tinha a música “Chuá, chuá” como
fundo; havia os engraxates: “Ele era engraxate, era engraxate, era
engraxate...”. E que beleza o boiadeiro se recolhendo ao fim da tarde: “Vai,
boiadeiro, que a noite já vem, pega o teu gado e vai pra junto do teu bem...”.
E o jornaleiro, distribuindo jornais e cantando “Olha a ‘Noite’, olha a
‘Noite’...” música muito conhecida na época.
Finalmente,
realizei pequenas incursões em arremedos de teatro radiofônico, nas
apresentações da Semana da Pátria na Rádio Carijós, com os alunos do Colégio
“Nazaré”. Lembro-me com saudades do “Repórter da História”, transmitindo para
os ouvintes, com grande realismo, o que estava presenciando às margens do
Ipiranga. Era até emocionante quando o D. Pedro gritava o “Independência ou
Morte!”
O
tempo passou, não posso dizer, pela simplicidade de minhas atuações, que fui
artista de teatro, mas, de qualquer maneira, hoje, ainda faço o meu espetáculo,
agora como artista circense, como
expressei em versos:
Entrei num grupo de saltibancos.
Sou equilibrista
do sonho e do pão...
tendo, por agradável companhia, a
luzida “troupe” humana que dá seu espetáculo cotidianamente neste imenso
cenário que é o mundo de Deus.
Este
texto foi escrito atendendo ao pedido de currículo, quando meu nome foi
escolhido para o PRÊMIO DE TEATRO do IV FACE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário