segunda-feira, 15 de julho de 2013

MEU CURRÍCULO TEATRAL



 
                                                                        Avelina Maria Noronha de Almeida
            
           Quase nasci assistindo a uma peça teatral. Quando minha mãe, Maria, e meu pai, Jair, estavam saindo de casa, a parteira, D. Antônia, que era vizinha, alertou: “Cuidado, Maria, que essa criança vai nascer no circo!”
               Naquele tempo, os circos terminavam a função com uma peça teatral bem melodramática. Talvez a voz alta dos atores tenha me atingido onde eu estava escondida e despertado minha curiosidade para saber o que eles estariam fazendo... Isso deve ter me apressado a resolver a situação. Mas não nasci no circo, como predissera a boa senhora, e sim em minha casa, poucas horas depois, (não  acredito em horóscopos, mas vá lá...) quando a esplêndida constelação do Escorpião era atravessada pelo Zodíaco e também estava ascendente, foi que abri  os olhos para este espetacular teatro que é a vida. Duplamente “escorpião”, logo eu que tenho pavor desse animalzinho...
            A minha infância foi impregnada de arte teatral, pois meus pais não perdiam as peças que eram encenadas na cidade e eu, desde bem pequenininha, os acompanhava. Naquela época aqui se apresentavam as grandes companhias do Rio de Janeiro, como a do famoso Procópio Ferreira, sempre acompanhado da linda filha Bibi. Também o teatro local era muito forte, com atores de excelente qualidade. Eu usufruía isso com  prazer.
            Aos seis anos, quando cursava o Jardim da Infância no Colégio “Nossa Senhora de Nazaré”, a minha professora, Didi Ramos, era um verdadeiro prodígio e sabia fazer teatrinhos como ninguém. Suas festas eram preciosas! Na peça “A Gata Borralheira”, eu fui a madrasta e houve comentários de ter sido muito realista, castigando de verdade – coitadinha! - a minha linda enteada, a saudosa lourinha Liège Giacomini.
            Cismei de escrever uma peça teatral quando tinha nove anos. Seu nome: “A princesa Raiozinho de Luar”. Ensaiei-a com a criançada que brincava comigo (vizinhos e parentes), sendo princesinha a linda e suave Leda; eu era a bruxa malvada. No dia da apresentação, os bondosos vizinhos da Rua Miguel Garcia foram convidados e pacientemente  nos prestigiaram.
             Nos tempos do Curso Ginasial, foi encenada no Colégio a peça “D. Bosco”. Eu protagonizei o santo. Era impressionante o trecho em que o demônio, depois de tentar o sacerdote, pulava em uma abertura que havia no assoalho e de onde saía um verdadeiro fogaréu (o recurso cenográfico era muito bem feito e me fascinava). A peça foi um sucesso! Tanto que, no ano seguinte, resolveram repeti-la. Mas surgiu um problema: a aluna que representava o demônio havia formado e ninguém queria aceitar o papel do “tinhoso”. Foi quando me ofereci para representá-lo, resolvendo o problema porque “santo” todo mundo queria ser... Assim, na mesma peça fui santo e depois demônio.
            Na década de 50, então residindo na paróquia de São Sebastião, quando ali encenaram a vida de Santa Terezinha mais uma vez assumi a santidade. Era emocionante a cena de minha morte, quero dizer, da morte de minha personagem! A turma do teatro era fabulosa, muito envolvida com a arte cênica, constituindo um capítulo honroso da História Teatral Lafaietense. Guardo com carinho dois retratos: num eu estava vestida de noiva, como era necessário para receber o hábito e, no outro,  já com o hábito de carmelita.
            Estreei minha vida profissional no magistério com um teatrinho, pois, no meu primeiro mês de aula, para ensinar “proteínas” escrevi uma pecinha sobre o assunto e encenei com os alunos. Era a história do Chapeuzinho Vermelho, só que a letra que a menininha (era a linda Vitória Rezende, hoje também Nogueira) cantava, em vez da canção tradicional, uma adaptação, na qual Chapeuzinho ia “levar proteínas para a vovozinha” e prosseguia citando-as. Havia também um menino “fraquinho” que não aguentava a carregar um pequeno feixe de lenha e recebeu, do Chapeuzinho Vermelho, sábias instruções sobre alimentos. Nem é preciso dizer que, na prova sobre o assunto, a turma brilhou! Está aí a escritora Vitória que não me deixa  mentir...
            Mas o ponto alto de minha carreira de “teatróloga” foi a  revista musical infantil “Minha Cidade”, com alunos do Grupo Escolar “Inconfidência”, encenada, por gentileza das Irmãs, no palco do Colégio “Nazaré”. A platéia estava lotada. Muitas autoridades. Estavam presentes os ex-combatentes de Lafaiete, pois seriam homenageados. Foram muitos quadros, num período de mais de uma hora, sem interrupções. O coral que acompanhava o enredo era magnífico, de alto nível, ensaiado pela competente professora de canto Regina Leão. As principais profissões exercidas na cidade foram focalizadas. O quadro das lavadeiras, de grande efeito visual, as  quais entravam com trouxinhas de roupa na cabeça e depois iam para a fonte lavá-las, tinha a música “Chuá, chuá” como fundo; havia os engraxates: “Ele era engraxate, era engraxate, era engraxate...”. E que beleza o boiadeiro se recolhendo ao fim da tarde: “Vai, boiadeiro, que a noite já vem, pega o teu gado e vai pra junto do teu bem...”. E o jornaleiro, distribuindo jornais e cantando “Olha a ‘Noite’, olha a ‘Noite’...” música muito conhecida na época.
            Finalmente, realizei pequenas incursões em arremedos de teatro radiofônico, nas apresentações da Semana da Pátria na Rádio Carijós, com os alunos do Colégio “Nazaré”. Lembro-me com saudades do “Repórter da História”, transmitindo para os ouvintes, com grande realismo, o que estava presenciando às margens do Ipiranga. Era até emocionante quando o D. Pedro gritava o “Independência ou Morte!”
            O tempo passou, não posso dizer, pela simplicidade de minhas atuações, que fui artista de teatro, mas, de qualquer maneira, hoje, ainda faço o meu espetáculo, agora  como artista circense, como expressei em versos:

Entrei num grupo de saltibancos.
Sou equilibrista
                                                        do sonho           e           do pão...

tendo, por agradável companhia, a luzida “troupe” humana que dá seu espetáculo cotidianamente neste imenso cenário que é o mundo de Deus.

            Este texto foi escrito atendendo ao pedido de currículo, quando meu nome foi escolhido para o PRÊMIO DE TEATRO do IV FACE.

                                                        





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