sábado, 30 de novembro de 2013





A EPOPEIA DO HINO NACIONAL
Avelina Maria Noronha de Almeida


O Hino Nacional brasileiro é o símbolo mais emocionante de nossa Pátria. Quando as suas notas se elevam pelos ares, sentimos, principalmente conforme a situação, um estremecimento interior, chegando às vezes a trazer lágrimas aos olhos. Outros países podem ostentar belos hinos – gosto especialmente da vibrante Marselhesa – mas nenhum se iguala ao nosso, na melodia e na letra, grandiosas, envolventes, encantadoras.

Com o nome de “Marcha Triunfal” foi composta, nos idos de 1822 ou 1823, por Francisco Manuel da Silva, para comemorar a Independência do Brasil. Em cima do balcão de um armarinho onde os músicos da época costumavam se reunir, na cidade do Rio de Janeiro, foram escritos os primeiros compassos. A composição musical foi acolhida com entusiasmo e iniciou uma carreira que não mais seria interrompida, recebendo letras diversas no decorrer do tempo.

Uma verdadeira epopeia a história dessa melodia. A carga emocional que suas notas carregaram no desenvolver da História do Brasil daria uma minissérie da Globo. A primeira letra que ela recebeu, de autoria de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, foi cantada pela primeira vez no cais do Largo do Paço (ex-Cais Pharoux, atual Praça 15 de Novembro, no Rio de Janeiro), a 13 de abril de 1831, quando D. Pedro I embarcava para Portugal, passando o hino a chamar-se “Hino ao 7 de Abril”, em alusão à abdicação do monarca naquela data. Era assim:

Os bronzes da tirania
Já no Brasil não rouquejam;
Os monstros que o escravizavam
Já entre nós não vicejam.

Estribilho)

Da Pátria o grito
Eis que se desata
Desde o Amazonas
Até o Prata

Ferrões e grilhões e forcas
D'antemão se preparavam;
Mil planos de proscrição
As mãos dos monstros gizavam.

Quando D. Pedro II foi coroado, colocaram outra letra na melodia, de autor desconhecido, agora com uma carga bem diversa da primeira, que era terrivelmente agressiva. Agora não. Era uma peça laudatória, engrandecendo a figura do jovem imperador, com se pode ver neste trecho:

Negar de Pedro as virtudes,
Seu talento escurecer,
É negar como é sublime
Da bela aurora, o romper.

Porém nas solenidades oficiais em que participava o imperador, era sempre executada a composição musical apenas, sem qualquer canção, como Hino Nacional.

Quando veio a Proclamação da República, em 1889, é claro que os republicanos não queriam vestígios do antigo regime. Tudo deveria ser novo nos novos tempos. Assim, resolveram realizar um concurso para escolher outro Hino Nacional. Entre os concorrentes não estava o compositor do primeiro hino.

Na tarde de 20 de janeiro de 1890 foi escolhida como vencedora a partitura de Leopoldo Miguez. Muito bonita! Mas... o povo prorrompeu em gritos. Queriam ouvir era a “Marcha Triunfal”, que foi executada sob as ovações do inflamado público.

Para tal fato deve ter concorrido o artigo escrito pelo crítico musical, Oscar Guanabarino, defendendo o antigo hino, dizendo que o povo não o considerava como homenagem a D. Pedro II, mas como Hino da Pátria e fazia uma pergunta a Deodoro:

“Marechal, nos campos do Paraguai, quando à frente das colunas inimigas a vossa espada conquistava os louros da vitória e as bandas militares tangiam o Hino Nacional, qual era a idéia, o nome que acudia a vossa mente no instante indescritível de entusiasmo – Pátria ou o Imperador ?”

E depois se dirigia ao povo:

“Decidi portanto, digno cidadão, de acordo com a resposta da vossa consciência”.

Deodoro respondeu pessoalmente ao jornalista:

“Li o seu artigo e estou de pleno acordo”.

Também o Major Serzedelo, em nome da imprensa e do povo, pediu a Deodoro que fosse conservado o antigo hino e o Presidente concordou. Nesse momento as bandas de música do Exercito e a do 23º de Infantaria tocaram o Hino de Francisco Manuel. A comoção foi geral e o povo, em delírio, aclamava Deodoro.

A primeira música do nosso Hino estava vitoriosa. Atravessando tantas intempéries da política brasileira, chegara incólume à consagração final, à definitiva posição de símbolo de nossa Pátria.

Para a escolha da melhor letra que se adaptasse ao hino, foi realizado um concurso em 1906, saindo vencedor o poema de Joaquim Osório Duque Estrada, oficializado em 1922 pelo Presidente Epitácio Pessoa.

Já houve, tempos atrás, movimentos para mudar a letra, considerando-a complexa e, por isso mesmo, de difícil entendimento, principalmente pelas palavras e imagens não muito conhecidas. Considero isso uma crítica muito simplista. Concordo com uma professora, Laura Cristina de Paula, que diz ser tal característica o que torna o hino atraente, além de ser estimulante o desafio de entender o seu significado.

Pelo menos aos jovens e às crianças devem ser proporcionadas, nas escolas, condições de desmitificar esse nosso símbolo pátrio.

Uma das dificuldades encontradas é no significado das palavras. Uma pequena consulta ao dicionário resolve tudo... Outra, a inversão das partes da frase para atender à métrica ou a rima; com um pouco de atenção, percebemos o verdadeiro sentido e aí, sim, verificamos como é lindo o nosso hino.

Imaginem a imagem suscitada logo no princípio, recordando o dia Sete de Setembro de 1822, quando o grito “Independência ou Morte” foi ouvido pelas margens plácidas, calmas, serenas do riacho Ipiranga... Em nosso céu muito azul, os raios fúlgidos, cintilantes do sol da Liberdade brilhando, iluminando o cenário inicial da nossa cidadania.


E os braços fortes de um povo conseguindo conquistar o penhor da igualdade, isto é, a garantia, a segurança de que haveria a liberdade, a qual desperta os mais puros sentimentos de heroísmo.

Esta é a Pátria amada, idolatrada, cultuada, recebendo o louvor de seus filhos.
A constelação do Cruzeiro do Sul, brilhando em nossa abóbada celeste como promessa de amor e de esperança... A grande e sólida extensão de nosso solo, a grandiosidade da Natureza, tudo isso é nossa Pátria, como todas as mães, gentil, generosa acolhedora.

Às vezes ironizam o “berço esplêndido”, porém ele não tem o significado de passividade; sim, de segurança. Nas construções grandiosas geralmente usam, nas abóbodas, ornatos em forma de flor, a que chamam de “florão” e, na primeira estrofe da segunda parte, diz que o Brasil é uma flor de ouro fulgurante, reluzente, brilhando como o ponto mais importante e vistoso da América.

E que cenas lindas nos vêm à mente quando fala dos campos lindos, risonhos do que a terra mais garrida, mais enfeitada! E os bosques, e os amores em nossa vida!...

Antigamente os romanos usavam um estandarte, uma bandeira, a que chamavam de lábaro. Para o autor, o nosso lábaro, a nossa bandeira, enfeitada de estrelas significando os estados da federação, é um símbolo de amor eterno e, com suas cores verde e amarelo suscitam a glória no passado, mas a paz no futuro.

Clava é uma arma primitiva de guerra e erguê-la significa que, pela justiça, se for preciso, o exército brasileiro se mobiliza como o fez tantas vezes.

Nosso HINO NACIONAL tem uma história, passando por vários momentos culminantes de nossa cidadania; uma melodia vibrante, linda, fortemente emocional; uma letra significativa, de alta qualidade literária, poética, mostrando a beleza e o valor de nossa terra e de nossa gente. Letra e música frutos de dois grandes e inspirados brasileiros.

Que todos saibam interpretá-lo bem e cantá-lo com o entusiasmo e o louvor que ele merece.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

LAÇOS QUE UNEM BRASIL E PORTUGAL






LAÇOS QUE UNEM BRASIL E PORTUGAL

Avelina Maria Noronha de Almeida


Conhecido pela sua atuação na cultura literária, no magistério, JOSÉ DE SOUZA JÚNIOR foi sensível e talentoso poeta. Nasceu em 1918, em Conselheiro Lafaiete e faleceu em 2001 em Belo Horizonte. Renomado professor de Português e de Inglês, também exerceu com grande brilho o jornalismo radiofônico na Rádio Inconfidência, em Belo Horizonte. Durante a guerra, estando em Londres, participou de programas na B.B.C. para o Brasil.

Uma de suas poesias simboliza os laços entre Brasil e Portugal que – apesar do gesto simbólico de D. Pedro I de lançar fora as fitas azuis e brancas (cores portuguesas), acompanhado pelos soldados presentes à margem do riacho Ipiranga quando foi proclamada a Independência – continuam firmes pelos valores culturais, materiais e espirituais com que brindaram nossa terra e pela amizade que une brasileiros e portugueses.

E não foi (surpreendentemente) um português que nos trouxe a liberdade? E quanto não corre em nossas veias o sangue luso?

Poeticamente expressa essa belíssima confraternização de dois povos o “ZÉ PÃO”, como o poeta era tão carinhosamente chamado pelos seus conterrâneos, escreveu um soneto que aqui transcrevo como uma homenagem que faço muito especialmente para FERNANDO (das Lojas Lusitanas) e VANDA, um maravilhoso casal luso-brasileiro em nossa cidade.

PORTUGAL
(Para o vovô Salvador)

Eu tenho duas pátrias: dois amores
que vivem dentro em mim intensamente.
Não existem palavras, nem louvores
que os possam definir perfeitamente.

Se nasci no Brasil, os meus pendores
são pela terra virgem, florescente;
mas, na soma final dos meus valores,
pulsa viril a força da semente!

Semente lusitana, poderosa!
Canta em mim a fanfarra gloriosa
do velho Portugal antepassado.

Se brasileiro sou (e me confesso)
no fundo de minh’alma, em seu recesso
há uma guitarra soluçando um fado!

(Lisboa, 1960)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

À MARGEM DO CAMINHO





À MARGEM DO CAMINHO

Avelina Maria Noronha de Almeida

Escrito em 1983

Após anos de andanças pelas terras do Ensino, resolvo sentar-me à beira da estrada e parar um pouco para pensar.

Meus companheiros de viagem prosseguem seu caminho.

Uns vão alegres, entusiasmados, fazendo planos; outros, curvados ao peso dos cansaços e das desilusões. Há os entediados, cuja preocupação única é chegar ao fim da estrada; os desorientados, porque perderam a direção exata de seus passos; os visionários – enfrentadores de moinhos; os revoltados, os agressivos, os limitados... Contemplo-os e sou, um pouco, cada um deles.

Estaremos no rumo certo ou, acaso, trilhamos um atalho duvidoso?

Sinto uma grande necessidade de meditar... de repensar conceitos, rememorar vivências, enxergar além dos rostos, livros, horários, lições e notas. Diante de mim desfilam hipóteses, perplexidades, indagações... Por que a sensação de fracasso, de insatisfação – mais leves nuns, mais fortes noutros – perturba a maioria dos professores brasileiros?

Antes de atravessar a fronteira, ao ser desterrado, Sarmiento escreveu na porta de um rancho: “As idéias não se matam.” Comentou alguém: “A primeira tempestade que vier apagará o escrito...” Ao que respondeu o grande estadista: “O que escrevi aqui não se apagará jamais.” Podemos dizer o mesmo do que ensinamos, das idéias que transmitimos?
Outro grande vulto da história sul-americana, Simón Bolívar, pesando a responsabilidade que a posição de líder lhe acarretava em relação ao Novo Continente assim se expressou: “Tenho em minhas mãos esta bela porção de terra, que não me pertence, que pertence à Humanidade. Que vou fazer dela? Qual será a sentença que seus futuros habitantes lançarão sobre mim?”

Nós, professores, temos em nossas mãos uma bela porção de gente. Deveríamos, bem frequentemente, fazer-nos perguntas análogas: estamos contribuindo para esclarecer, orientar e fazer felizes nossos alunos? Ou, ao contrário, confundimos, desorientamos, desajustamos e marcamos dolorosamente? Sairão eles de nossas mãos mais realizados, confiantes e capazes de enfrentar a vida? E quem irá cobrar mais severamente nossos erros e omissões? O futuro adulto, a sociedade ou a nossa própria consciência? Mas acontece que nem sempre conseguimos executar nossa tarefa como planejamos... Quais seriam os obstáculos interiores ou exteriores travando nossas intenções? Seremos os únicos responsáveis pelo fracasso do processo educacional? Precisamos situar, num contexto de causas e consequências dos resultados negativos, alunos pais, técnicos, legisladores, comunidade e, principalmente, nós mesmos, antes de tentarmos uma resposta à indagação: SOMOS NÓS OS CULPADOS PELO FRACASSO ESCOLAR?

Vem-me à lembrança uma frase de Sartre: “SOMOS VÍTIMAS E CÚMPLICES, COMO TODO MUNDO”.

* * *

Paulo Freire, certa vez, disse à repórter de um telejornal que o maior problema do Ensino Brasileiro era a separação entre professor e aluno. Apresentando a gravação da entrevista nas classes em que eu lecionava, fizemos um estudo sobre o assunto e, após debates e ampla pesquisa de campo, chegamos à conclusão de que realmente são, quase sempre, muito frágeis os laços que ligam mestres a discípulos.

A sala de aula é como se fosse um campo, tendo ao centro uma linha que divide funções, direitos e deveres. Em momentos de interesse, entusiasmo, amizade, deleite intelectual essa linha desaparece e todos se unem trabalhando com prazer, surgindo, então, o clima ideal para a verdadeira aprendizagem. Infelizmente, às vezes um muro se levanta sobre essa linha. As vozes se alteram, palavras são distorcidas ou, simplesmente, não ouvidas. Professores de um lado – alunos de outro, digladiam-se ou se ignoram. Direitos são reclamados; deveres, exigidos. Vem a separação, e a meta fica nebulosa. Não há mais sala de aula e, sim, barulhenta arena ou, o que pode até ser pior, uma arena silenciosa. QUEM LEVANTA ESSE MURO? O professor ou os alunos?

A verdade é que nos conjugamos na demeritória operação. O professor coloca suas pedras quando, por cansaço, negligência ou falta de preparo não consegue levar à aula a incentivação indispensável; ou permite que problemas particulares lhe prejudiquem a atuação; ou deprecia, ironiza, agride, avalia sem os devidos critérios, não compreende, não é criativo, não estimula nem é amigo, não promove o crescimento interior do educando.

Triste obreiro, porque prejudica a si próprio, é o aluno indisciplinado, desatento, displicente, desonesto (oh! as terríveis colas...), dissimulado e insensível.

Também colocam pedras os pais quando são incompreensíveis, omissos, preocupando-se com a situação escolar do filho apenas ao “estourar a bomba” e, racionalizando sua incúria com recriminações injustas ao professor, criam ou reforçam no espírito da criança ou do jovem idéias negativas a respeito do magistério.

Todas as pessoas envolvidas na complexa organização educacional que, em funções diversas, agem de maneira errada ou incoerente, são nossos “auxiliares” na inglória construção do fracasso.

QUAL A MELHOR MANEIRA DE DESTRUIR ESSES MUROS? Fazendo da Educação uma obra comunitária no centro da qual estão professor e alunos em perfeita sintonia. Se maestros e músicos não se afinam, que será da execução da orquestra?

* * *

Formiguinhas carregavam pesado inseto, parede a cima. Havia momentos em que paravam, marcavam passo penosamente, retrocediam um pouquinho e eu pensava: “Agora elas se desequilibram e o inseto cai...” Mas não: logo, logo, recomeçavam a subida. Em meia hora, alcançaram a beirada superior da janela, atravessaram-na e sumiram em direção do telhado. Uma coisa me chamou a atenção: durante todo o tempo, outras formiguinhas subiam e desciam formando o caminho e algumas, ao passarem pelas carregadoras, aproximavam-se e pareciam tocá-las e, depois, iam-se embora. Uma coisa eu garanto: em todo o percurso observado por mim, nenhuma daquelas que transportavam o fardo foi substituída. Era como se as outras lhes transmitissem uma energia especial ou, em misteriosa linguagem, as estimulassem mais ou menos assim: “Dediquem-se à sua tarefa. Ânimo, estamos aqui para apoiá-las e ajudá-las se for necessário.”

Podemos comparar os professores a essas formiguinhas carregadoras. Eles também não podem ser substituídos na missão de ensinar. Podem e devem ser apoiados, estimulados, ajudados, mas cabe-lhes exclusivamente a direção, a responsabilidade e a execução efetiva das atividades pedagógicas. Porém isso nem sempre acontece hoje em dia.

Excesso de trabalho, tensão, insegurança, consumismo, transição de costumes, uma série de fatores enfraqueceu a capacidade da família de orientar e fazer-se respeitar. A criança geralmente vai para a escola desprovida de atitudes benéficas para as interações sociais mais amplas e despreparada para uma vida de maiores responsabilidades, o que obriga os professores a realizarem verdadeira ginástica mental para conseguir ambiente propício à boa aprendizagem. Ficando sobrecarregados, então, o que fazem muitos, talvez a maioria deles? Dão o “troco” exigindo “deveres extra-classe” excessivos e complicados, obrigando os pais, tenham ou não competência, a suprir, por seu turno, as conseqüentes deficiências do ensino na sala de aula.

É preciso acabar com essa situação viciosa em relação às funções desempenhadas por pais e mestres, essa diluição de responsabilidades. Deve a família reconquistar a força e a autoridade perdidas para que o professor tenha condições de desenvolver tranquilamente o processo pedagógico para o qual se instruiu e que obedece a normas e metodologia estabelecidas graças ao esforço, estudo e experiências de muitas pessoas, através dos tempos. A intervenção indevida de pessoas não preparadas pedagogicamente, mesmo que bem intencionadas, em vez de ajudar, pode acarretar interferências e condicionamentos negativos. O ideal não é a escola desempenhar o papel do lar, nem os pais substituírem os professores, mas, ajudando-se mutuamente, cada um desempenhar melhor sua própria função.

* * *

Os gregos amavam profundamente a liberdade. Perdendo a independência e impotentes para sacudir o jugo estrangeiro, racionalizaram suas frustrações com o apego a filosofias que consolavam ou embaçavam a realidade humilhante; os epicuristas, mergulhando nos prazeres; os cínicos, rejeitando normas e desligando-se dos bens materiais; os estóicos, glorificando a face desfibrada e fria da resignação sem luta. Depois de ter alcançado o topo da montanha com Sócrates, Platão e Aristóteles, o pensamento helênico era atingido pela decadência, já prevista por Platão ao dizer que Atenas, representante máximo do esplendor grego, foi perdendo seu valor quando “a encheram de portos e docas, de muros e de tributos, em vez de a encherem de retidão e esperança”.

Oprimidos pelo Materialismo, repetimos esse panorama filosófico nos tempos atuais, o que provoca inevitáveis reflexos na educação.

Epicuristas são os alunos obcecados por diversões, sem tempo para o estudo sério; os pais absorvidos pelas festas e compromissos sociais, sem disponibilidade para acompanhar o desempenho escolar dos filhos; uns e outros mais preocupados com as cotações do “mercado de trabalho” para a escolha de um curso que leve a profissão rendosa que possibilite mais lucro e prazeres do que com a realização profissional; e, finalmente, aqueles professores que são mercenários, sem ideal. Todos eles preocupados em assegurar uma vida de acordo com o seu comodismo.

Os modernos cínicos estão entre os que, em nome de uma falsa liberdade, negam a autenticidade de certos valores; no fundo, porém, procuram desculpa para fugir de responsabilidades. Os estóicos se acomodam. “Para que estudar? Não aprendo mesmo...” “Não adianta fazer nada, meu filho não dá para estudo...” “Já deixei de lado aquela classe. Ninguém lá quer se esforçar...”

Felizmente, distantes de um cenário desses, existem muitos professores “carismáticos”, que estão sempre caminhando com redobrada energia e conseguem resultados positivos. Alguns professores mais frágeis, entretanto, vitimados pelo desânimo, desistem ou se encaixam num sistema de rotina.

Disse-me uma aluna: “GOSTARIA DE QUE A ESCOLA ME ENSINASSE A VIVER EM PAZ E A SER FELIZ”. Essa frase me impressionou muito. Fez-me pensar seriamente no seu significado.

Vou prosseguir minha viagem a fim de amadurecer na realidade tantas reflexões e já levando a certeza de que só poderá sentir-se realizado aquele professor que souber captar as expectativas dos alunos, tiver ideal e amor.

Como seria bom que, no final do caminho, cada professor pudesse ouvir, de seus alunos, o que foi dito sobre um professor americano: “ELE TOCOU VÁRIAS VIDAS E CADA UMA DELAS SE TORNOU MELHOR POR CAUSA DELE”.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

AS COLCHAS DE SÃO GONÇALO NA EUROPA!






AS COLCHAS DE SÃO GONÇALO NA EUROPA!

Avelina Maria Noronha de Almeida


Francisco de Paula Ferreira de Rezende foi juiz municipal de órfãos do termo de Queluz, para onde veio em
1857. Quando escreveu o livro Minhas Recordações, nele focalizou, em alguns capítulos, o tempo que aqui passou. Entre vários relatos interessantes, encontramos, em sua obra, o seguinte trecho sobre nossa terra:
          
  “Composto de campo e mato, a indústria do município em 1857 consistia: primeiro na criação de animais, sobretudo muares, cujo preço era de 50$000 mais ou menos na idade de um a dois anos; segundo, na cultura  da cana em ponto maior ou menor; e terceiro, finalmente, na de mantimentos, para a qual a mata era boa e os capões ainda melhores.

Queluz era, portanto, naquele tempo, (...) um dos melhores celeiros de Ouro Preto. Além dos tecidos de algodão para uso doméstico e que se encontravam por toda parte, havia na freguezia da vila uma fazenda ou um lugar chamado São Gonçalo onde se faziam umas colchas ou antes cobertores de lã, alguns dos quais tinham no centro as armas imperiais, obra tão bonita e tão perfeita que apesar de ser o seu custo de 50$000, não era fácil de obtê-los; visto que, além de serem muito procurados, sobretudo para presentes, na Corte e na província, até para a Europa, segundo depois vim a saber, alguns foram, por intermédio de minha sogra, para as nossas princesas que ali residiam ou para encomendas destas.”

Várias pessoas já me disseram terem visto uma dessas colchas, com o bordado das armas imperiais, exposta em uma vitrina no Museu de Ouro  Preto.
            
Estão vendo como SÃO GONÇALO DO BRANDÃO é importante?
            
Recentemente foi lançado um livro muito interessante: “CAMINHOS DO CERRADO – A trajetória da Família Pereira Brandão”, escrito por José Américo Ribeiro, Eduardo Carvalho Brandão e Olímpio Garcia Brandão, descendentes de Manoel Pereira Brandão.

A obra, em formato grande e com 561 páginas, grande também na essência, focaliza a genealogia do varão português, filho de Lucas Pereira e Maria Brandão, que chegou a Carijós por volta de 1720, casado com Jerônima do Pinho, filha de Estevão João e MariaTavares, trazendo os filhos Manoel, Damiana Roza de São José, João, Alexandre, Theodósio (antepassado dos autores) e Roza Maria de São José. Vieram eles da freguezia de São Miguel de Urrô, Conselho de Arouca, bispado de Lamego, distrito de Aveiro, em Portugal, desenvolvendo, de modo detalhado e extenso, a descendência de Theodósio, que é a linha direta de parentesco deles. Esse trabalho  é feito de maneira muito atraente pela quantidade de fotos e de fatos acontecidos com membros da família.
            
A ilustração do livro é farta, inclusive com um mapa de Queluz, desenhos e fotos de nossa terra, como da antiga igreja, quase em ruínas (agora totalmente recuperada), da igreja nova de São Gonçalo, da gravura do movimento de 1842 em Queluz e da nota de 100 cruzeiros em homenagem ao Duque de Caxias, focalizando (vejam só que homenagem!...) a batalha de Queluz onde a tropa de  Caxias foi derrotada. Quando descobriram o desagradável deslize, logo depois de lançada, foi retirada de circulação. Há uma nota dessas no Museu Perdigão.
            
No anexo I, vem um estudo feito pelo historiador lafaietense Allex Assis Milagre sobre os demais filhos de Manoel Pereira Brandão, destacando a importância “desse clã que teve participação destacada na vida social, política, artística e cultural desta terra”.

           

A BELÍSSIMA DATA DA INDEPENDÊNCIA DE CONSELHEIRO LAFAIETE



                                                       Óleo sobre tela de Lygia Seabra

                      A BELÍSSIMA DATA DA INDEPENDÊNCIA DE CONSELHEIRO LAFAIETE

                                                       Avelina Maria Noronha de Almeida


Corria o ano de 1790. O dia era 19 de setembro.

Naquela data iria acontecer o que tanto sonhara o povo de Carijós: a criação da vila. Uma petição fora feita ao Senhor Visconde de Barbacena e enviada a D. Maria I, rainha de Portugal. Entre outras coisas, dizia:

“Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Visconde de Barbacena. A Vossa Exa. expõem, reverentemente os Moradores das Freguezias de Nossa Senhora da Conceição dos Carijós, e de Congonhas do Campo, e de Santo Antonio da Itaberava, quê, formando todos huma povoação conjunta de quasi vinte mil pessoas, com suficientes fundos, propriedades e terras incultas, e distando das vilas de São Joze, São João, Villa Rica e Mariana por onde são demandados mais de quinze, vinte e trinta legoas, por asperas Serras, caminhos Solitarios e passagens de Rios, sem que a justiça possa amparar prontamente os orfaons e Viuvas pobres, nem defender a tranquilidade publica de alguns facinoras e Saltiadores; Desejão os suplicantes merecer a Sua Magestade Fidelissima, o Foral e criação da nova Villa com Corpo de Camara, Juiz Ordinario e de Orfaons, Vereadores, Tabelliaens, e mais Offeciais competentes, no Campo Alegre de Carijós;” e prosseguia o documento com mais considerações.

No dia tão esperado, o povo, dominado pela alegria, reuniu-se na Praça Nova. O Senhor Visconde de Barbacena chegou acompanhado de luzida comitiva e, lá no prédio da Câmara, assinou o Auto de Criação da vila. No termo lavrado em um livro especial, estavam arrolados o dia da inauguração, o nome da vila, os limites e confrontações de seu território, os nomes do ouvidor, do capitão-mor da vila e das outras autoridades.

ESTAVA CRIADA A REAL VILLA DE QUELUZ!

Em seguida, como narra o Auto de Levantamento, “sendo presente o Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Visconde de Barbacena do Conselho de Sua Magestade, Governador e Capitão General desta Capitania de Minas-Gerais, e o Doutor General, e Corregedor desta Comarca, com os Moradores, Nobreza e Povo tanto da dita Real Villa novamente erecta como dos Arrayaes convezinhos; pello mesmo Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Visconde General foy mandado levantar o Pilorinho da referida Villa, o qual, com efeito se levantou, com a solenidade do estilo, no lugar que para isso se considerou mais proprio e acomodado, e vem a ser a Praça Nova, que fica no meyo da Villa, entre as Cazas destinadas para a Camara, e a Igreja Matriz, cujo acto se fez, e concluhio repetindo todos em altas vozes, e sucessivas aclamaçoens – Viva a Rainha Nossa Senhora Dona Maria primeira...”

Enquanto isso, os sinos das igrejas (Matriz, Santo Antônio e Nossa Senhora do Carmo) badalavam alegremente, a força miliciana deu uma descarga de seus mosquetes, alguns moradores davam salvas de suas roqueiras (peça de artilharia que atirava pelouros, que eram balas de metal com que se carregavam muitas das antigas armas de fogo) e todos gritavam vivas.

Foi assim, dessa maneira tão bela, tão alegre, tão feliz que nossa Conselheiro Lafaiete viveu o primeiro dia de sua vida independente.

DISCURSO NA FASAR







DISCURSO PROFERIDO COMO REPRESENTANTE DO PROFESSORADO LAFAIETENSE NA AULA INAUGURAL
DO CURSO DE PEDAGOGIA DA FASAR - 1990

         Nossa cidade nasceu sob os signos da aventura e da liberdade. Nasceu da união de bandeirantes – e não eram eles aventureiros? – e dos índios carijós, de espírito livre e altivo. Aqueles procuravam o ouro – que enriquecia a terra – e estes aqui aportaram em busca da liberdade que não usufruíam em outras plagas.
            Os tempos foram passando. Pessoas valorosas marcaram  o desenvolvimento de Carijós, depois Queluz e, finalmente, Conselheiro Lafaiete. No decorrer da trajetória histórica, pioneiros realizaram importantes obras, sempre com a bandeira da liberdade a tremular na frente de seus propósitos: alcançaram a nossa emancipação com a criação da vila; participaram de sonhos e lutas em prol da justiça e da independência, trouxeram água, luz, imprensa, escolas e tantos benefícios para a nossa terra.
            O chafariz da Praça Barão de Queluz, levantado em 1991, revela, em uma frase, o segredo do sucesso alcançado pelos empreendedores cidadãos: ASSIDUO VIR PROPOSITI TENAX OMINIA VINCIT (Pela perseverança o homem de propósito firme tudo vence).
              Agora, mais uma vez grandiosa obra planta o seu marco na história do progresso de Conselheiro Lafaiete, e esta aula inaugural é o primeiro passo numa sucessão de passos que, temos certeza, serão vitoriosos. Esta solenidade a que estamos assistindo também está sob o signo da aventura – sublime aventura para concretizar um ideal; e da liberdade – porque só através do estudo reflexivo, da aquisição de cultura e do saber, um povo pode ser verdadeiramente livre, e um curso de Pedagogia é o que melhor encaminha o espírito do educando para uma visão ampla do significado da vida humana e para a compreensão e o estabelecimento de objetivos e metas.
            Diz Emerson que “toda instituição é a sombra alongada de um homem”. Dizemos nós que esta instituição – a Faculdade da Pedagogia – é, não a sombra, mas o reflexo luminoso de duas pessoas lutadoras, duas irmãs unidas, não apenas pelos laços de sangue, mas também pelos laços do ideal, pertencentes a uma família que sempre contribuiu para o valor da Educação em nossa cidade. Não podemos deixar de citar, saudosamente, Maria do Amor Divino e Luzia – pilares do Ensino, pela competência e dedicação.
            Maria da Paz e Joana d’Arc, depois de muitos anos prestando benéficos serviços ao ensino, desde o Maternal até o Curso Médio, trabalharam silenciosamente, por muito tempo, daquela maneira que é tão bem definida pelo grande poeta alemão Goethe: “sem pausa e sem pressa, como as estrelas” para presentear a nossa gente, sempre tão sequiosa de instruir-se, com a oportunidade de aperfeiçoar seu saber – no caso o pedagógico. Sonharam e, seguindo a recomendação de Tiradentes: “Sonhos precisam tornar-se realidade”, concretizaram seu ideal.
            Esta é uma escola que preparará futuros educadores e aperfeiçoará aqueles que já se dedicam à missão de ensinar.
            Todos sabemos que é de inquietação o atual momento educacional.
            A FACULDADE SANTA RITA será uma força não só para a juventude que escolheu agora o seu futuro, mas também para aqueles que sentem necessidade  de labutar na Educação com mais firmeza e eficiência, norteados pelo Humanismo fundamentado na grandeza e na dignidade do ser humano. Aqui encontrarão luzes para mais nítidos ficarem os princípios, estruturarão seus laços com os grandes educadores do passado e do presente e poderão usufruir os somatórios de suas experiências, de suas descobertas.
       Assim exposto o pensamento do professorado lafaietense sobre a importância do novel estabelecimento de Ensino Superior na florescente e progressista Conselheiro Lafaiete, prestamos a nossa homenagem de gratidão a todos os que trabalharam pela sua concretização, de modo especial a Maria da Paz e a Joana d’Arc, parafraseando o que foi dito sobre um professor americano: com seu trabalho, vocês já tocaram e continuam tocando várias vidas e cada uma delas ficaram e ficam melhores por causa de vocês.

            PARABÉNS, QUERIDAS EDUCADORAS, PELO SONHO E PELA REALIDADE!   



segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O DIA EM QUE QUASE CONVERSEI COM FERNANDO SABINO








O DIA EM QUE QUASE CONVERSEI COM FERNANDO SABINO

Avelina Maria Noronha de Almeida

Façamos [...] do sonho uma ponte,
da procura um encontro!
Fernando Sabino


No último dia 12 de outubro, Fernando Sabino completaria 90 anos de brilhante existência, não tivesse a implacável ceifadora cumprido nele sua missão. Mas o grande escritor foi lembrado em grande estilo. Durante a semana próxima à data, uma série de exposições sobre sua vida e sua obra aconteceu em Belo Horizonte, sua terra natal. As atividades em sua homenagem estão programadas até o final do ano.

Agora, aparentemente, vamos mudar de assunto.

Em maio de 2001, o então presidente da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette, Dr. Carlos Reinaldo de Souza, criou um jornal que recebeu o nome de “Caravelas”; foi um marco na história da Academia e, também, da imprensa lafaitense. Era gratuito, enviado para escolas e instituições da cidade, para as academias literárias de todos os estados e também, por intermédio do Consulado de Portugal sediado em Belo Horizonte, para todos os países do mundo onde é falada a língua portuguesa. Era trimestral. Bela composição gráfica, papel de excelente qualidade e, o que era mais importante, variado e notável conteúdo literário.

O ilustre presidente atendeu gentilmente a um pedido que lhe fiz: que me cedesse as quatro páginas centrais para fazer um módulo dedicado especialmente às escolas, focalizando assuntos que seriam fator de crescimento para os estudantes. Sempre colocava o meu telefone no módulo para caso de alguém procurar contato.

Já estávamos preparando o conteúdo do número 6 quando recebi a visita de Grácia Gomes de Abreu, que fora minha aluna, por sinal brilhante. Formada em Letras na FUNREI em 1997, na época lecionava Português no Colégio Estadual Narciso de Queirós e em outros estabelecimentos. Levara para eu ver um ensaio que apresentara em um congresso numa cidade mineira (cujo nome não me veio agora) com o título: “O carnaval em O Grande Mentecapto”, focalizando a célebre obra de Fernando Sabino.

Quando acabei a leitura, eu estava encantada com o trabalho e pedi à Grácia que me deixasse publicá-lo no módulo Caravelas conseguindo a permissão. Por ser muito grande, teria que dividi-lo em três partes. Assim publiquei no número seis a primeira parte do ensaio.

Uns dois meses depois, almoçava com minha família quando o telefone tocou.

– A secretária do Dr. Fernando Sabino está chamando a senhora – disse quem atendeu.

– Fala para ligar mais tarde, que ela está almoçando – disse um dos meus familiares.

– Não, vou agora ver quem está fazendo gracinha comigo – decidi.

Quando atendi, tive uma surpresa, algo que eu nunca supus que poderia me acontecer. E veio do outro lado:

– Alô! Aqui é a secretária do Dr. Fernando Sabino. Ele pede desculpas à senhora por não vir pessoalmente ao telefone porque está saindo para uma viagem. Ele quer saber o endereço da moça que escreveu sobre O Grande Mentecapto.

Fiquei um pouco no ar e de repente assustei:

– Meu Deus! Ele achou ruim?...

– Não. Ele adorou!

– E como ele soube da publicação?

– Foi o Dr. Fábio Lucas quem trouxe para ele o jornal.

O escritor Fábio Lucas era, na época, o presidente da União Brasileira de Escritores e Dr. Carlos Reinaldo enviava para ele o Caravelas.

Chamei a Grácia, disse-lhe que ela mesma devia escrever para o endereço que a secretária me havia passado, não só dando o endereço dela como, também, enviando o texto na íntegra. Uns dias depois recebeu, não sei se quatro ou cinco livros de autoria dele, todos eles com dedicatórias muito bonitas.
Não chegou a um mês e veio a notícia do falecimento de Fernando Sabino após insidiosa doença. Aí percebi qual era a viagem para a qual estava saindo...

Resolvi contar este episódio para juntar-me às homenagens que ainda estão sendo feitas ao escritor. Homenagem a um homem de tanta sensibilidade que, embora sofrendo muito, achou tempo, para antes da última partida, dar atenção e demonstrar sua aprovação e apreço a uma jovem professora de Português do interior de Minas.

E foi assim que a Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafaiete de alguma forma se ligou ao ilustre mineiro antes que ele se fosse e que, naquele dia em que almoçava e fui interrompida, eu quase conversei com Fernando Sabino...






GRIPE ESPANHOLA






GRIPE ESPANHOLA

Avelina Maria Noronha de Almeida


O escritor mineiro AFFONSO ROMANO DE SANT’ANNA, um dos luminares da Literatura Brasileira de nossos dias, abordou, em uma de suas crônicas semanais no Estado de Minas, a “gripe espanhola”, que grassou no mundo em 1918, com a duração de três anos.

Na referida crônica é relatado um fato que muito me impressionou. Na tentativa de descobrir uma vacina contra a gripe, alguns médicos resolveram realizar experiências em seres humanos, com prisioneiros da ilha de Deer, propondo a eles a absolvição de seus crimes, por piores que fossem, caso se submetessem aos testes. Os 62 presos selecionados, entre trezentos e tantos voluntários, FORAM SUBMETIDOS A COMPORTAMENTOS TÃO TERRÍVEIS que eu não tenho coragem de transcrevê-los (quem quiser conhecer detalhes sobre o assunto, é só ler a crônica do escritor do dia 19/03/06, no Estado de Minas). O ESPANTOSO É QUE NENHUM DOS PRESOS CONTRAIU A GRIPE, mas o médico da enfermaria contraiu-a e morreu em conseqüência...

Diz Affonso de Sant’Anna que a “espanhola” infectou 600 milhões de pessoas e matou entre 20 milhões e 50 milhões, esclarecendo o autor que a diferença de 30 milhões é devida à falta de “estatísticas seguras nos países periféricos”. E prossegue: “Diz-se, no entanto, que 80% das baixas das tropas americanas na 1ª Guerra foram devidas à gripe e não às balas inimigas. Diz-se, também, que no Brasil houve, oficialmente, 35.240 óbitos, sendo 12.388 no Rio em 5.429 em São Paulo. Qual seria a estatística de Belo Horizonte, cidade no interior, então recém-criada?”

De Belo Horizonte o Arquivo Jair Noronha não tem conhecimento, mas pode informar a da cidade de Conselheiro Lafaiete, que na época se chamava Queluz.

Morreram de gripe espanhola:

- em outubro de 1918, o primeiro número indicando o dia, e o segundo o número de pessoas: 27 – 1; 28 – 2; 29 – 2; 30 – 1; 31 – 1 (7 pessoas).
- em novembro de 1918: 1º - 1 ; 2 – 2; 3 – 3; 4 – 2; 5 – 3; 7 – 5; 8 – 2; 9 - 2;
10 - 5; 11 – 9; 12 – 12; 13 – 5; 14 – 3; 15 – 4; 16 – 9; 17 – 4, entre elas uma menina de 12 anos, Maria, irmã do museólogo Antônio Luís Perdigão Batista; 18 – 11; 19 – 8; 20 – 8; 21 – 10; 22 – 3: 23 – 3; 24 – 3; 25 – 4; 26 – 2; 26 – 7; 30 – 3 (133 pessoas).
- em dezembro de 1918: 1º - 3; 2 – 2; 3 – 1; 4 – 1; 5 – 1; 6 – 4; 8 – 2; 9 – 2; 11- 1; 13 – 1; 14 – 2; 15 –1; 17 – 1; 21 – 2; 22 – 1; 23 – 2; 27 – 1 (30 pessoas).

Total: 170 pessoas morreram devido à gripe, (descontando 4 dias do final de dezembro nos 5 dias de outubro) num período de dois meses e um dia. E é preciso considerar que isso foi apenas na área da cidade de Queluz (e não no município), uma cidade ainda bem pequena naquele princípio de século.

Dizem que, em certos dias, devido ano número de mortos, os “fabriqueiros” da matriz não davam conta de fazer caixão para todos, e alguns tinham de ser enterrados em sacos de aniagem.

Para terminar capítulo tão triste de nossa história, quero narrar um fato que me contou minha mãe, Maria Augusta, que suaviza um pouco o texto com o EXEMPLO QUE DÁ DE FRATERNIDADE ACIMA DE QUALQUER MEDO OU COMODISMO. Quando a gripe espanhola atingiu nossa cidade, a situação ficou gravíssima: havia casas em que não havia uma pessoa de pé para fazer comida. Minha avó Avelina, que morava na rua da Chapada, fazia caldeirões de sopa para levar nas casas das vítimas de gripe, e minha mãe, a filha mais velha, menina de 9 anos, acompanhava-a nas visitas.

Após alimentar os doentes, minha avó recolhia as roupas sujas e as levava para lavar. Depois consertava aquelas que precisavam de reparos, passava-as e mandava minha mãe entregar nas casas. E, graça de Deus, não houve nenhuma vítima da “gripe espanhola” na casa de minha avó.

QUANDO MOÇOS DE CARIJÓS E ITAVERAVA FORAM ENFRENTAR O CORSÁRIO FRANCÊS DUGUAY-TROUIN






QUANDO MOÇOS DE CARIJÓS E ITAVERAVA FORAM ENFRENTAR
O CORSÁRIO FRANCÊS DUGUAY-TROUIN

Avelina Maria Noronha de Almeida


Dia 25 de agosto comemora-se o DIA DO SOLDADO, numa homenagem a DUQUE DE CAXIAS, patrono do soldado brasileiro. Vou passar para o leitor a notícia mais antiga que se tem de gente de CARIJÓS (como era chamada a nossa cidade no século XVIII até transformar-se em REAL VILLA DE QUELUZ) fazendo parte de uma tropa militar em defesa da soberania de nosso País.

Era o ano de 1711. No dia 21 de setembro havia chegado às Minas uma notícia terrível: 18 embarcações de guerra da armada francesa, sob o comando de DUGUAY-TROUIN, o almirante mais afamado do mundo naquela época, entrara no porto do Rio de Janeiro e sitiara a cidade, preparando-se para invadi-la. O governador daquela cidade mandara um emissário pedindo ajuda a Minas para evitar que se concretizasse a invasão.

Um moço que morava em Itaverava, DOMINGOS DA COSTA GUIMARÃES, sabendo dos fatos, foi para Villa Rica, capital da província, e começou a fazer tumulto em frente ao palácio. Juntou gente ajudando-o no barulho, acabando por convencer o governador a acudir ao apelo do governador do Rio de Janeiro e salvar a cidade das garras do corsário.

As Capitanias de São Paulo e das Minas haviam sido desmembradas da do Rio de Janeiro tendo sido criada, por carta régia, a 9 de novembro de 1709, a CAPITANIA DE SÃO PAULO E MINAS DO OURO. El-Rei nomeara, como governador da recém-criada capitania, o notabilíssimo CAPITÃO GENERAL ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE COELHO DE CARVALHO, que tomou posse em 18 de junho de 1710, tendo como missão especial apaziguar os ânimos exaltados de brasileiros e reinóis na região das minas.

No curto prazo de seis dias, o Governador conseguiu reunir seis mil homens, “homens da melhor e mais luzida gente (...) assim forasteiros como Paulistas”, como depois a referida autoridade comunicou a el-Rei. ENTRE ELES, HAVIA MOÇOS DE CARIJÓS E ITAVERAVA.

No dia 28 de setembro, pelo Caminho Novo, a tropa das Minas Gerais, composta de homens do povo, escravos, milicianos e fazendeiros que deixaram suas roças, mineiros que deixaram suas lavras, iniciava a caminhada para socorrer a cidade sitiada. Os proprietários ricos forneciam armamentos e mantimentos. Havia um regimento de cavalaria, porém a maioria ia a pé.

Reuniram-se na encruzilhada de Congonhas e partiram, cheios de ardor cívico. Em cinco dias, o exército chegou à Fazenda Borda do Campo (Barbacena), onde não só foi acolhido como abastecido com gêneros para a viagem pelo Cel. Domingos Rodrigues da Fonseca. Além disso, mais duzentos homens se juntaram aos já existentes. Marchando quase sem parar, atravessando rios às vezes caudalosos, sofrendo todas as agruras da viagem, como as inclemências do tempo, as picadas de mosquitos e tantos incômodos, com mais doze dias os componentes da tropa chegaram à Serra do Mar. O Governador mandou acampar ali, na Chapada dos Pousos Frios, na região chamada Tinguá. Ficaram aguardando os que vinham na retaguarda.

A expectativa da chegada ao destino agitava a tropa. A esperança de ALBUQUERQUE era chegar antes que os franceses invadissem a cidade para livrá-la do cerco ameaçador. De onde estava, podia avistar parte da cidade e a baía de Guanabara. Viu que algumas naus estavam ancoradas no porto, mas não enxergava mais nada.

Foi quando passou um cavaleiro afobado e informou que o governador da cidade do Rio de Janeiro, Francisco de Castro, e os habitantes resistiam heroicamente. À noite, Albuquerque viu, lá do acampamento, um clarão avermelhado ao longe. É que uma parte da cidade estava dominada pelo fogo. Muitas propriedades tinham virado cinzas.

Começaram a passar carruagens cheias de pessoas que fugiam para Minas.
Alguém contou que os franceses haviam jogado, dos navios, foguetes inflamados nos tentos de palha das moradias de Santa Luzia e Castelo e a ventania, que soprava forte, estava espalhando o fogo por bairros inteiros. O fogo atingira até o palácio do governador. A criadagem estava abrindo buracos na terra e enterrando as baixelas de ouro e prata, para não serem pilhadas.

Albuquerque mandou que a tropa descesse a serra. Foi quando chegou um emissário do governador do Rio de Janeiro a quem tinham avisado da proximidade da ajuda mineira. Assim o nosso governador relatou depois, em carta, a el-Rei, quando tudo já estava terminado:

“(...) e em dezessete dias cheguei às avizinhanças desta cidade, e parecendo-me a acharia ainda defedendo-se, tive avizo do dito governador de q.° a havia perdido, pedindo-me a viesse restaurar. Prossegui a minha marcha, despedindo ordens às Minas pa. vir mais gente, mantimentos e gados, pois supunha o paiz justamente ocupado pelo inimigo, e ao descer a serra me chegou outro avizo do dito Governador, anunciando-me se tinha determinado a capitular com o inimigo, e logo sem demora me fez terceiro avizo com a certeza de haver ajustado a compra da cidades e fortalezas pr. 610.000 cruzados, 100 caixas de açúcar e 200 vacas e em reféns do mestre de Campo João de Paiva, dois capitães de infantaria, um delles seu irmão; e como me parecesse desacerto grande o tal ajuste, pois se poderia esperar este meu socorro, ainda tendo-se-me pedido, quanto mais sabendo-se q.° já vinha em marcha a contenuei até onde suppunha estarem as munições, q.° por muitas vezes tinha pedido, e havendo polvora bastante, achei só quatro cunhetes de bala, sem esperança de alcançar mais alguma, em cujos termos, e com a certeza de q.° também se havião perdido as fortalezas da barra, e estavão pelo inimigo bem guarnecidas, quando com facilidade se poderião ter conservado, principalmente a de Santa Cruz, me resolvi a fazer alto com as minhas tropas distante desta cidade quatro legoas.”

Esse local era o Engenho Velho. O Governador das Minas não se conformava de não ter chegado a tempo de evitar a invasão. Teria de restituir a cidadania ao Rio de Janeiro. Os soldados estavam inquietos. Uns não se conformavam em não avançar logo e destruir o inimigo, principalmente os que tinham parentes naquela cidade.

MAS ALBUQUERQUE ERA UM EXCELENTE ESTRATEGISTA. Sabia que não seria prudente avançar naquele momento. Sua tática seria outra. Pensou da seguinte maneira: se o negócio do ajuste estava tão adiantado, com reféns passados, moradores comunicando-se com muita familiaridade com o inimigo e comerciando com ele, havendo lá falta de munição e todos já estando sossegados, poderia não ter sucesso, naquela hora, uma operação de ataque aos franceses. Melhor seria fazer entender ao inimigo que não deixaria que ampliassem a sua conquista, pois percebeu que o objetivo do invasor não era, na realidade, a posse da cidade do Rio de Janeiro, mas a entrada para o interior do País, onde pensavam encontrar ouro e outras riquezas. Assim, aquartelou-se em parte pouco distante, mandando tomar logo todos os postos e estradas por onde poderia o inimigo entrar ou que possibilitassem aos brasileiros comerciar com os franceses, proibindo esse comércio “por bandos e graves penas e confiscando-se o q.° lhes era achado”. Com essa estratégia, dentro em pouco começaria a faltar muita coisa dentro da cidade e a situação não ficaria agradável para ninguém que lá estivesse.

A manobra foi coroada de êxito. Assumindo, daquela maneira, o governo da cidade a partir do local onde estava aquartelado, o nosso capitão-general conseguiu controlar a situação, intimidando os invasores: “(...) com cuja novidade se começarão os franceses a se intimidar, dobrando as guardas e guarnição da fortaleza de Santa-Cruz, embacando logo o que q.° tinhão em terra, como também o seu general apressando a última satisfação do q.° se lhes devia, e recebendo-a partirão entregando a fortaleza de Santa Cruz, depois de sahir a ultima embarcação, mostrando irem bem satisfeitos do importante saque, q° tiverão e o ouro q° acharão, não sendo menos que se lhe deo o q.° grangearão na venda das fazendas e de muitos navios, q.° sem serem os donos se lhes comprarão, tudo a troco de ouro(...)”.

Foi uma alegria geral. Abraçavam-se todos, mesmo portugueses e paulistas, até pouco tempo antes lutando entre si na Guerra dos Emboabas.

Tudo terminado, Albuquerque mandou a el-Rei uma carta, onde fala do sucesso que experimentou ao socorrer o Rio de Janeiro, “atropelando mil dificuldades e excessivos trabalhos por serras e caminhos fragozos” exaltando os participantes “na promptidão e obediencia, com que os achei nessa ocazião, deixando suas lavras e roças, trazendo os mesmos escravos com mantimentos e armas, e me pareceo conveniente, q.° Vossa Magestade sendo servido lhes mandasse agradecer por carta às Câmaras das Villas, q.° também no que lhes tocou de dar mantimentos e carruagens, se houveram com toda a pontuallidade” e fala a seu próprio respeito: “o desvelo com q.º procurei livrar a esta cidade da ruína (...)”

E termina:

“A real pessoa de Vossa Magestade guarde Deus por muitos annos.
Rio de Janeiro, 26 de novembro de 1711, Antonio de Albuquerque de Coelho Carvalho.”

DOMINGOS DA COSTA GUIMARÃES, aquele moço de Itaverava que convenceu o governador a acudir ao apelo do governador do Rio de Janeiro, foi condecorado porque “Na invasão francesa de 1711 revelou “Amor ao Estado e zelo público.”

VAMOS LER PADRE VIEIRA!




VAMOS LER PADRE VIEIRA!

Avelina Maria Noronha de Almeida

“O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”. Pe. Vieira

Um dia as palavras surgiram na vida do ser humano e abriram as portas para a Civilização. Palavras proferidas pela boca. Passadas adiante pelos escritos. Cristalizadas pela imprensa. Multiplicadas pelas técnicas. Muitas atravessam os tempos e não perdem seu valor. É o que acontece com aquelas que estão nas grandes obras, tornam-se clássicas e conservam seu poder e sua vitalidade por séculos. Foram palavras como essas que, um dia, modificaram minha vida. Não vou dizer que cem por cento, mas pelo menos noventa por cento.

Eu tinha o terrível hábito de protelar. Sempre acumulava coisas que devia fazer dizendo: “Amanhã sem falta!”. E ia de amanhã para amanhã. Como a gente se esgota vendo dia a dia aumentar o volume do que se devia fazer e que vai ficando para trás!...

Certo dia achei a solução para o meu problema. Dizem que Pe. Vieira, que nasceu em Lisboa a 6 de fevereiro de 1608 e veio para o Brasil aos 6 anos, era considerado um aluno de pouca inteligência. Um dia teve uma forte dor de cabeça que quase o matou e, de acordo com o menino, foi como um estalo na cabeça. Desde então, tornou-se brilhante. Pois é como se eu tivesse tido, em relação ao mau hábito de protelar, um “estalo de Vieira”, como ficou sendo conhecido o fato pitoresco acontecido no século XVII. Não tive dor de cabeça, mas, de repente, salvo poucas exceções, tornei-me cuidadosa em não protelar serviços, a não acumular obrigações que acabavam se tornando quase impossíveis de serem cumpridas.

O estalo em mim aconteceu quando li o Sermão da Sexta-feira da Quaresma, pregado pelo Pe. Vieira na Capela Real, em Lisboa, no ano de 1662. Entre outras coisas, o sábio sacerdote dizia:

“Conselheiros de ‘que havemos de fazer’, não são conselheiros. Os conselheiros hão-de ser homens de ‘quid facimus’: Que fazemos? [...] A razão porque se perdeu tanta parte daquela tão honrada monarquia da Ásia, ganhada com tão ilustre sangue, qual foi? Porque o inimigo ‘fazia’, e nós ‘havíamos de fazer’. Não vamos tão longe. Enquanto Portugal teve homens de ‘havemos de fazer’ (que sempre os teve) não tivemos liberdade, não tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos homens de ‘quid facimus’, logo tivemos tudo.

O sermão também fala sobre o milagre dos cinco pães no deserto. Naquele dia, a multidão quis aclamar Cristo como rei, porém ele não consentiu. Prossegue Pe. Vieira:

“O texto diz que fugiu para o monte; mas não diz de que fugiu. E isso é que eu pergunto: De que fugiu Cristo nesta ocasião? Dizem comumente, que fugiu da coroa; mas eu digo, que, se fugiu da coroa, fugiu muito mais dos homens. Porque não há cousa de quem um rei mais haja de fugir, que de homens ‘de havemos de fazer’. Se eles foram de ‘quid facimus’, bem meio rio eu, que lhes fugira Cristo. E se lhes fugisse, haviam – No de prender; porque, se depois o prenderiam para lhe pôr uma coroa de espinhos, porque o não prenderiam para lhe porem uma coroa de ouro? Mas como eram homens de ‘que havemos de fazer’, nenhuma cousa fizeram: parou o seu conselho em nada”.

A peça oratória é enorme e ainda faz muitas ponderações importantes. Eu mesma não entendo e não sei explicar porque o sermão teve força tão grande para mudar tanto meu comportamento falho.

Voltando ao Pe. Vieira, um excelente escritor de nossa cidade, o Sr. Benedito Franco, que de viver aqui há tantos anos já se tornou lafaietense, tem um trecho muito interessante em um de seus textos que ele publica em antologias e põe a circular na Internet. Ele conta que conheceu algo sobre o Padre Antônio Vieira quando cursava o segundo ano do ginásio:

“Vieira cativou-me de cara - sempre que lia, aqueles pedaços de cultura deixavam-me maravilhado”.
Visitando uma Feira de Livros no Rio de Janeiro, deparou-se com a coleção dos Sermões do grande orador – quinze livros em cinco volumes.

Continua:

“Olhei, admirei e namorei. Tomei algumas informações com o vendedor e prometi-lhe voltar no dia seguinte para comprá-la - faltava-me o dinheiro no momento.

O Sr. Benedito voltou à noite e estava folheando um dos volumes dos Sermões. Deixemos que ele continue:

“Olhando para um lado, notei a aproximação de um grupo de jovens, volteando um respeitável senhor de terno escuro e gravata. O elegante senhor parou em minha frente, mirou a mim e ao livro em minhas mãos, com um pequeno sorriso e pedindo licença, tomou-o e o abrindo:

- Está gostando do livro?

- Pretendo comprar a coleção...

Dirigindo-se a mim e aos jovens:

- Quem lê Vieira, sabe português. Quem lê muito Vieira, sabe muito português. Quem lê tudo de Vieira, sabe tudo de português. Muito prazer!

Apertando-me a mão:

- Sou o Professor Pedro Calmon. Adquira-a. Vale a pena, pois é um tesouro não só de nossa língua, mas da literatura universal. Vieira, de erudição enciclopédica, o maior orador de todos os tempos.

E se foi... rodeado dos jovens. Pareciam embevecidos com aquele senhor."

Vamos ler Pe. Vieira!

IMPRENSA RISONHA






IMPRENSA RISONHA

Avelina Maria Noronha de Almeida avelinanoronha@yahoo.com.br


“Nossa terra nasceu sob o signo da alegria.”

Nossa terra nasceu sob o signo da alegria, pois não é que o primeiro nome da cidade foi Campo Alegre dos Carijós? Simão de Vasconcelos, autor do livro “Notícias curiosas e necessárias das cousas do Brasil”, publicada em 1668, falando sobre os gentios carijós, conta que, de acordo com a crença deles, os que merecerem,“depois que morrem se ajuntam a ter seu paraíso em certos vales, que eles chamam campos alegres (quais outros Elísios) e que ali fazem grandes banquetes, cantos, e danças”.

Os Carijós desceram da Amazônia e e chegaram até o Sul do país procurando encontrar, ainda em vida, esse lugar maravilhoso. Imagino que, ao chegar em nossa terra, cheia de verdura nas árvores, peixes nos rios e ribeirões, ouro à flor da terra, pensaram: “chegamos ao Campo Alegre”. E imagino ainda que, nos primeiros tempos, antes da chegada do homem branco, devem ter vivido fazendo mesmo grandes banquetes, cantando e dançando.

Em seu livro “Minhas Recordações”, Francisco de Paula Ferreira de Rezende testemunha a alegria já nos tempos de Queluz, no idos de 1850: “Apesar da riqueza que lhe faltava, era Queluz uma povoação que nada tinha de desagradável ou de enfadonha; mas era pelo contrário, uma povoação alegre, onde as festas eram frequentes, variadas, bonitas e todas elas muito baratas; porque todos concorriam para elas com as suas pessoas ou com aquilo que podiam dar e muito pouco era o dinheiro que realmente se gastava”.

O testemunho da alegria de nosso povo, nos estertores do século XIX e nas primeiras décadas do século XX está na imprensa. Houve jornais mais noticiosos e com conteúdo quase todo sério. Entretanto, a maioria deles era de conteúdo jocoso, veiculando brincadeiras, satirizando pessoas e fatos que, se aborreciam a alguns, eram de agrado dos leitores, que davam boas risadas ao lê-los. Os jornais, como o povo, eram brincalhões.



Até os nomes dos periódicos já sugeriam conteúdo engraçado. Vejam só alguns: “O GURY: PERIODICO NOTICIOSO E HUMORÍSTICO”, 1901; “O LYRIO: ORGAM HUMORÍSTICO E NOTICIOSO”, 1910; “ZAZ-TRAZ: JORNAL POLÍTICO-HUMORÍSTICO”, 1917; “O ABROLHO – PASQUIM HYPOTHETICO E SUFFLAGANTE; 1922; “FOGUETE: ORGAM DO PARTIDO CONSERVADOR DO... BOM HUMOR”, 1928. Os poetas utilizavam pseudônimos, o que era mais cômodo principalmente quando o humor era mais cáustico ou as críticas impiedosas a políticos.

Um dos problemas locais no final do século atrasado era o da iluminação. Naquele tempo, a iluminação era feita acendendo-se lampiões nos postes da rua. O QUELUZ DE MINAS de 3 de janeiro de 1898 traz os seguintes versos, criticando comportamentos políticos da época (quando quem governava o município era o presidente da Câmara):

Poesia de nova espécie, estropiada.
Conhecem?

A chuva tudo molhou.
O ano novo chegou,
São Silvestre passou,
A Câmara velha ficou.
E quando tornar a chover
Teremos água a valer.
Nas noites de luar
Podemos à noite passear
Sem medo de tropeçar.
Para isto se arranjar
Um empréstimo se vai lançar,
E os beócios do lugar
São os que hão de pagar.
Porém é bom perguntar:
Alguém quererá emprestar?
Vão imprimir ações
Do valor de seis tostões
Pagas em prestações
Independente de citações,
Pois os impostos criados,
Na última sessão votados,
Logo que sejam cobrados
Não deixarão atrasados.
De água tanta quantidade
Que inundará a cidade;
Tão grandes focos de luz
Que deslumbrarão Queluz

(Improviso do Anastácio)

Algum tempo depois, no mesmo ano, nova referência ao assunto no Queluz de Minas de 25 de setembro:

CANALIZAÇÃO DA LUZ
O poder é o poder; e
o mais são histórias...”

Consta reservadamente
Que, por excentricidade
Decidiu-se o presidente
A iluminar a cidade.

(Quem transmitiu-me a notícia
É homem de muito senso,
Incapaz de uma malícia,
Sempre à verdade propenso...)
Ajuntou-me ele que a rua
Que vai ser iluminada
Em muito pouco atenua
O nosso mal, quase em nada...

Porque ficará no centro
De altos muros – oh caipora!
Ele, o rei, passa por dentro
E nós passamos por fora!!
C. T.

Numa série dos excelentes artigos “Panorama do Passado” que Luiz Antônio Perdigão publicava no também excelente jornal “Panorama” de Alberto Rodrigues Libânio, encontramos as informações seguintes:

“Os arquivos da Biblioteca Antônio Perdigão possuem cerca de duzentos títulos de jornais que fazem a história da imprensa lafaietense.

Entre eles existem os chamados “humorísticos”, que por longos anos, em seu estilo, deliciavam os seus leitores com piadas, sátiras, poesias etc. Eram geralmente editado por grupos de rapazes, ou também, às vezes, por uma só pessoa que, na maioria dos casos, se conservava no anonimato e vendidos, aos domingos, geralmente na porta da matriz, após a missa das dez horas.Os jovens esperavam ansiosos a saída do jornalzinho, que invariavelmente mexia com os namorados, negociantes, com a vida social da cidade e outros assuntos.”

Em outro artigo Perdigão também nos relata:

“Em 1902, surgiu um jornalzinho em manuscrito: “O Esperto”, cuja assinatura mensal custava 300 réis e o número avulso 60 réis. Esse jornal abriu o ciclo dos jornais humorísticos da cidade.
Em 1919, veio a público “A Pulga”, e um dos seus fundadores foi o sr. Humberto Clemente.”
Vejam só o estilo de alguns desses jornais citados pelo Perdigão, a começar pelos títulos e apresentações:

O MARIBONDO
Diretor: Anônimo.. Editado em 1918.
Expediente: Publica-se quando tiver papel.

O GILÓ
Apresentação: É fruta boa
Misturado com chuchu.
Tendo no prato feijão
E um pedaço de angu.
Editado em 1922.

O ABROLHO:
Editado em 1926. Publica-se quando estiver pronto.
O PIRATA DO ANDRÉ
“O André Rodrigues tem um ganso chamado Pirata que toca piano, joga búzio e come milho na garrafa. Um jeca, admirado, disse:
- Virge! Fim do mundo! Tá bão pra levar pro jubileu de Congonhas.”
Realmente o André, que tinha um comércio onde hoje é o Banco Itaú, na Praça Tiradentes, e morava em frente, onde hoje é o Banco Santander, todas as manhãs atravessava a praça para abrir a sua venda acompanhado do fiel ganso, que era como se fosse um cachorrinho. Um dia o ganso foi atropelado e o André ficou o dia inteiro fechado no quarto sem querer aparecer para ninguém, de tão abalado pelo acontecimento.

TIC-TAC
Diretor: Álvaro Diógenes.
Cola... borra... dores; di...versos.
Editado em 1930.

A TROMBETA
Diretor: Oliveira Sae Azar
Editado em 1937.

Mesmo periódicos de nomes mais sério traziam às vezes poesias humorísticas.

A partir da década de trinta do século XX, os jornais já passaram a dar um menor espaço para o humor e a sátira poética, mesmo assim ainda surgiam, misturados às notícias, versos risonhos, como os do Agnaldo Guimarães, que foi comerciário e focalizou com muita graça os contratempos das transações comerciais:

O CALOTEIRO

Entrou um dia, na loja,
Um camarada de fora
E disse: eu quero umas compras,
Mas não posso pagar agora.
Em resposta o lojista
Disse logo ao forasteiro:
Amigo, você tem crédito
Só pra comprar a dinheiro.

Era assim que, na primeira metade do século XX, a imprensa local sorria para seus leitores e criticava os problemas da cidade.

Castigat ridendo mores. Dístico proposto pelo poeta neolatino Jean de Santeuil,
(1630-1697) para dístico de um busto de Arlequim.



BERNARDO GUIMARÃES








                                                ELE É UM POUCO NOSSO TAMBÉM

                                                                          Avelina Maria Noronha de Almeida


“Se o poeta nascera em Ouro Preto, considerava, naturalmente,‘Campos natais’ todo o vasto sertão de Minas por onde jordaneara.”
Escritor Brito Broca, falando sobre Bernardo Guimarães.


Quando estava organizando a antologia “Poetas Queluzianos e Lafaietenses”, buscando informações na Biblioteca Pública de Conselheiro Lafaiete, num excelente álbum confeccionado por Nilce Pereira sobre fatos de nossa cidade, encontrei, entre as efemérides lafaietenses, o nascimento, em 30 de abril de 1876, de Afonso Silva Guimarães, filho de Bernardo Joaquim da Silva Guimarães e de Tereza Guimarães.

Fiquei curiosa. Como se explicaria aquela informação? As prestimosas funcionárias da biblioteca na mesma hora procuraram os livros de Bernardo Guimarães e neles encontraram dados que diziam ter sido o escritor ouropretano nomeado professor de francês e latim em Queluz, em 1873. Lembrei-me, então, de que minha mãe contava ser inspirada em pessoa da antiga Queluz a personagem principal do célebre romance “A Escrava Isaura”.

Para mim foi uma novidade o fato descoberto. Verifiquei que era também desconhecido pelas pessoas a quem eu perguntava. Os antigos saberiam do fato, porém, com o tempo, ficara esquecido – foi o que pensei. Houve reação negativa de algumas pessoas quando comentei a história. Mas não desanimei e consegui provas. Tenho o xerox do contrato de edição (está respeitada a ortografia da época) , no qual se pode ler :

“Entre os abaixo-assinados, o Dr. Bernardo
Joaquim da Silva Guimarães, morador
em Queluz de Minas, como auctor,e B.L.
Garnier, estabelecido no Rio de Janeiro,
como editor, foi convencionado e con-
tractado ” o seguinte:

O Sr. Dr. Bernardo Joaquim da Silva
Guimarães vende a B. L. Garnier a
propriedade, com todos os direitos de
auctor, de sua obra intitulada ‘A
Captiva Isaura’, pela quantia de seiscen-
tos mil réis, que serão pagos ao primeiro
pedido do auctor.

Em fé de que passárão dois contractos
de igual theor, por cujo cumprimen-
to obrigarão-se, por si e seus bens,
bem como por seus herdeiros e succes-
sores, cujos conctratos entre si trocá-
rão depois de assignados.
Rio de Janeiro, 16 de julho de 1874.

(Seguem-se as assinaturas dos dois contratantes)




O livro foi publicado em 1875.

Bernardo morou no início da rua Barão de Suassuí, antes chamada de Rua Barrancos, na antiga residência de D. Maria Amália, onde mais tarde funcionou o Colégio Monsenhor Horta.A casa do escritor é a primeira à direita,mais no alto.






Em dezembro de 1876, ele ainda residia em Queluz, como se pode ver em carta enviada a seu editor no Rio de Janeiro e, assim, pela cronologia de sua obra, outras obras poderiam ter sido escritas na mesma cidade.
Bernardo Guimarães praticamente só é conhecido como romancista, mas também se destacou em outros campos literários. Sua obra poética é de grande beleza e muito vasta. Em minha opinião, o mais belo de seus poemas é “Poesia”, que tem, após o último verso, o local e a data: Queluz, 1873. È de grande extensão ocupando várias páginas, assim terminando:

Canta, ó poeta, enquanto a sacra chama
Te aquece o coração, te alenta os voos.
É de manhã que os passarinhos cantam
Seus mais frescos, harmônicos gorjeios.
À tarde geme o sabiá saudoso
No tope excelso de virente cedro;
À noite só ulula em sons carpidos
Entre ruínas agoreiro mocho.

Canta, antes que o inverno congelado
Na urna do teu peito extinga a chama
Que faz subir aos céus o incenso d’alma
E da vida nos álgidos caminhos
Venha murchar da fantasia as flores.
Canta, bem-vindo seja este teu canto
Que em minha alma acordando ecos de outrora
Abre meio seio aos cânticos e às flores.
Queluz, 1873