segunda-feira, 25 de novembro de 2013

VAMOS LER PADRE VIEIRA!




VAMOS LER PADRE VIEIRA!

Avelina Maria Noronha de Almeida

“O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive”. Pe. Vieira

Um dia as palavras surgiram na vida do ser humano e abriram as portas para a Civilização. Palavras proferidas pela boca. Passadas adiante pelos escritos. Cristalizadas pela imprensa. Multiplicadas pelas técnicas. Muitas atravessam os tempos e não perdem seu valor. É o que acontece com aquelas que estão nas grandes obras, tornam-se clássicas e conservam seu poder e sua vitalidade por séculos. Foram palavras como essas que, um dia, modificaram minha vida. Não vou dizer que cem por cento, mas pelo menos noventa por cento.

Eu tinha o terrível hábito de protelar. Sempre acumulava coisas que devia fazer dizendo: “Amanhã sem falta!”. E ia de amanhã para amanhã. Como a gente se esgota vendo dia a dia aumentar o volume do que se devia fazer e que vai ficando para trás!...

Certo dia achei a solução para o meu problema. Dizem que Pe. Vieira, que nasceu em Lisboa a 6 de fevereiro de 1608 e veio para o Brasil aos 6 anos, era considerado um aluno de pouca inteligência. Um dia teve uma forte dor de cabeça que quase o matou e, de acordo com o menino, foi como um estalo na cabeça. Desde então, tornou-se brilhante. Pois é como se eu tivesse tido, em relação ao mau hábito de protelar, um “estalo de Vieira”, como ficou sendo conhecido o fato pitoresco acontecido no século XVII. Não tive dor de cabeça, mas, de repente, salvo poucas exceções, tornei-me cuidadosa em não protelar serviços, a não acumular obrigações que acabavam se tornando quase impossíveis de serem cumpridas.

O estalo em mim aconteceu quando li o Sermão da Sexta-feira da Quaresma, pregado pelo Pe. Vieira na Capela Real, em Lisboa, no ano de 1662. Entre outras coisas, o sábio sacerdote dizia:

“Conselheiros de ‘que havemos de fazer’, não são conselheiros. Os conselheiros hão-de ser homens de ‘quid facimus’: Que fazemos? [...] A razão porque se perdeu tanta parte daquela tão honrada monarquia da Ásia, ganhada com tão ilustre sangue, qual foi? Porque o inimigo ‘fazia’, e nós ‘havíamos de fazer’. Não vamos tão longe. Enquanto Portugal teve homens de ‘havemos de fazer’ (que sempre os teve) não tivemos liberdade, não tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos reino, não tivemos coroa. Mas tanto que tivemos homens de ‘quid facimus’, logo tivemos tudo.

O sermão também fala sobre o milagre dos cinco pães no deserto. Naquele dia, a multidão quis aclamar Cristo como rei, porém ele não consentiu. Prossegue Pe. Vieira:

“O texto diz que fugiu para o monte; mas não diz de que fugiu. E isso é que eu pergunto: De que fugiu Cristo nesta ocasião? Dizem comumente, que fugiu da coroa; mas eu digo, que, se fugiu da coroa, fugiu muito mais dos homens. Porque não há cousa de quem um rei mais haja de fugir, que de homens ‘de havemos de fazer’. Se eles foram de ‘quid facimus’, bem meio rio eu, que lhes fugira Cristo. E se lhes fugisse, haviam – No de prender; porque, se depois o prenderiam para lhe pôr uma coroa de espinhos, porque o não prenderiam para lhe porem uma coroa de ouro? Mas como eram homens de ‘que havemos de fazer’, nenhuma cousa fizeram: parou o seu conselho em nada”.

A peça oratória é enorme e ainda faz muitas ponderações importantes. Eu mesma não entendo e não sei explicar porque o sermão teve força tão grande para mudar tanto meu comportamento falho.

Voltando ao Pe. Vieira, um excelente escritor de nossa cidade, o Sr. Benedito Franco, que de viver aqui há tantos anos já se tornou lafaietense, tem um trecho muito interessante em um de seus textos que ele publica em antologias e põe a circular na Internet. Ele conta que conheceu algo sobre o Padre Antônio Vieira quando cursava o segundo ano do ginásio:

“Vieira cativou-me de cara - sempre que lia, aqueles pedaços de cultura deixavam-me maravilhado”.
Visitando uma Feira de Livros no Rio de Janeiro, deparou-se com a coleção dos Sermões do grande orador – quinze livros em cinco volumes.

Continua:

“Olhei, admirei e namorei. Tomei algumas informações com o vendedor e prometi-lhe voltar no dia seguinte para comprá-la - faltava-me o dinheiro no momento.

O Sr. Benedito voltou à noite e estava folheando um dos volumes dos Sermões. Deixemos que ele continue:

“Olhando para um lado, notei a aproximação de um grupo de jovens, volteando um respeitável senhor de terno escuro e gravata. O elegante senhor parou em minha frente, mirou a mim e ao livro em minhas mãos, com um pequeno sorriso e pedindo licença, tomou-o e o abrindo:

- Está gostando do livro?

- Pretendo comprar a coleção...

Dirigindo-se a mim e aos jovens:

- Quem lê Vieira, sabe português. Quem lê muito Vieira, sabe muito português. Quem lê tudo de Vieira, sabe tudo de português. Muito prazer!

Apertando-me a mão:

- Sou o Professor Pedro Calmon. Adquira-a. Vale a pena, pois é um tesouro não só de nossa língua, mas da literatura universal. Vieira, de erudição enciclopédica, o maior orador de todos os tempos.

E se foi... rodeado dos jovens. Pareciam embevecidos com aquele senhor."

Vamos ler Pe. Vieira!

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