segunda-feira, 25 de novembro de 2013

IMPRENSA RISONHA






IMPRENSA RISONHA

Avelina Maria Noronha de Almeida avelinanoronha@yahoo.com.br


“Nossa terra nasceu sob o signo da alegria.”

Nossa terra nasceu sob o signo da alegria, pois não é que o primeiro nome da cidade foi Campo Alegre dos Carijós? Simão de Vasconcelos, autor do livro “Notícias curiosas e necessárias das cousas do Brasil”, publicada em 1668, falando sobre os gentios carijós, conta que, de acordo com a crença deles, os que merecerem,“depois que morrem se ajuntam a ter seu paraíso em certos vales, que eles chamam campos alegres (quais outros Elísios) e que ali fazem grandes banquetes, cantos, e danças”.

Os Carijós desceram da Amazônia e e chegaram até o Sul do país procurando encontrar, ainda em vida, esse lugar maravilhoso. Imagino que, ao chegar em nossa terra, cheia de verdura nas árvores, peixes nos rios e ribeirões, ouro à flor da terra, pensaram: “chegamos ao Campo Alegre”. E imagino ainda que, nos primeiros tempos, antes da chegada do homem branco, devem ter vivido fazendo mesmo grandes banquetes, cantando e dançando.

Em seu livro “Minhas Recordações”, Francisco de Paula Ferreira de Rezende testemunha a alegria já nos tempos de Queluz, no idos de 1850: “Apesar da riqueza que lhe faltava, era Queluz uma povoação que nada tinha de desagradável ou de enfadonha; mas era pelo contrário, uma povoação alegre, onde as festas eram frequentes, variadas, bonitas e todas elas muito baratas; porque todos concorriam para elas com as suas pessoas ou com aquilo que podiam dar e muito pouco era o dinheiro que realmente se gastava”.

O testemunho da alegria de nosso povo, nos estertores do século XIX e nas primeiras décadas do século XX está na imprensa. Houve jornais mais noticiosos e com conteúdo quase todo sério. Entretanto, a maioria deles era de conteúdo jocoso, veiculando brincadeiras, satirizando pessoas e fatos que, se aborreciam a alguns, eram de agrado dos leitores, que davam boas risadas ao lê-los. Os jornais, como o povo, eram brincalhões.



Até os nomes dos periódicos já sugeriam conteúdo engraçado. Vejam só alguns: “O GURY: PERIODICO NOTICIOSO E HUMORÍSTICO”, 1901; “O LYRIO: ORGAM HUMORÍSTICO E NOTICIOSO”, 1910; “ZAZ-TRAZ: JORNAL POLÍTICO-HUMORÍSTICO”, 1917; “O ABROLHO – PASQUIM HYPOTHETICO E SUFFLAGANTE; 1922; “FOGUETE: ORGAM DO PARTIDO CONSERVADOR DO... BOM HUMOR”, 1928. Os poetas utilizavam pseudônimos, o que era mais cômodo principalmente quando o humor era mais cáustico ou as críticas impiedosas a políticos.

Um dos problemas locais no final do século atrasado era o da iluminação. Naquele tempo, a iluminação era feita acendendo-se lampiões nos postes da rua. O QUELUZ DE MINAS de 3 de janeiro de 1898 traz os seguintes versos, criticando comportamentos políticos da época (quando quem governava o município era o presidente da Câmara):

Poesia de nova espécie, estropiada.
Conhecem?

A chuva tudo molhou.
O ano novo chegou,
São Silvestre passou,
A Câmara velha ficou.
E quando tornar a chover
Teremos água a valer.
Nas noites de luar
Podemos à noite passear
Sem medo de tropeçar.
Para isto se arranjar
Um empréstimo se vai lançar,
E os beócios do lugar
São os que hão de pagar.
Porém é bom perguntar:
Alguém quererá emprestar?
Vão imprimir ações
Do valor de seis tostões
Pagas em prestações
Independente de citações,
Pois os impostos criados,
Na última sessão votados,
Logo que sejam cobrados
Não deixarão atrasados.
De água tanta quantidade
Que inundará a cidade;
Tão grandes focos de luz
Que deslumbrarão Queluz

(Improviso do Anastácio)

Algum tempo depois, no mesmo ano, nova referência ao assunto no Queluz de Minas de 25 de setembro:

CANALIZAÇÃO DA LUZ
O poder é o poder; e
o mais são histórias...”

Consta reservadamente
Que, por excentricidade
Decidiu-se o presidente
A iluminar a cidade.

(Quem transmitiu-me a notícia
É homem de muito senso,
Incapaz de uma malícia,
Sempre à verdade propenso...)
Ajuntou-me ele que a rua
Que vai ser iluminada
Em muito pouco atenua
O nosso mal, quase em nada...

Porque ficará no centro
De altos muros – oh caipora!
Ele, o rei, passa por dentro
E nós passamos por fora!!
C. T.

Numa série dos excelentes artigos “Panorama do Passado” que Luiz Antônio Perdigão publicava no também excelente jornal “Panorama” de Alberto Rodrigues Libânio, encontramos as informações seguintes:

“Os arquivos da Biblioteca Antônio Perdigão possuem cerca de duzentos títulos de jornais que fazem a história da imprensa lafaietense.

Entre eles existem os chamados “humorísticos”, que por longos anos, em seu estilo, deliciavam os seus leitores com piadas, sátiras, poesias etc. Eram geralmente editado por grupos de rapazes, ou também, às vezes, por uma só pessoa que, na maioria dos casos, se conservava no anonimato e vendidos, aos domingos, geralmente na porta da matriz, após a missa das dez horas.Os jovens esperavam ansiosos a saída do jornalzinho, que invariavelmente mexia com os namorados, negociantes, com a vida social da cidade e outros assuntos.”

Em outro artigo Perdigão também nos relata:

“Em 1902, surgiu um jornalzinho em manuscrito: “O Esperto”, cuja assinatura mensal custava 300 réis e o número avulso 60 réis. Esse jornal abriu o ciclo dos jornais humorísticos da cidade.
Em 1919, veio a público “A Pulga”, e um dos seus fundadores foi o sr. Humberto Clemente.”
Vejam só o estilo de alguns desses jornais citados pelo Perdigão, a começar pelos títulos e apresentações:

O MARIBONDO
Diretor: Anônimo.. Editado em 1918.
Expediente: Publica-se quando tiver papel.

O GILÓ
Apresentação: É fruta boa
Misturado com chuchu.
Tendo no prato feijão
E um pedaço de angu.
Editado em 1922.

O ABROLHO:
Editado em 1926. Publica-se quando estiver pronto.
O PIRATA DO ANDRÉ
“O André Rodrigues tem um ganso chamado Pirata que toca piano, joga búzio e come milho na garrafa. Um jeca, admirado, disse:
- Virge! Fim do mundo! Tá bão pra levar pro jubileu de Congonhas.”
Realmente o André, que tinha um comércio onde hoje é o Banco Itaú, na Praça Tiradentes, e morava em frente, onde hoje é o Banco Santander, todas as manhãs atravessava a praça para abrir a sua venda acompanhado do fiel ganso, que era como se fosse um cachorrinho. Um dia o ganso foi atropelado e o André ficou o dia inteiro fechado no quarto sem querer aparecer para ninguém, de tão abalado pelo acontecimento.

TIC-TAC
Diretor: Álvaro Diógenes.
Cola... borra... dores; di...versos.
Editado em 1930.

A TROMBETA
Diretor: Oliveira Sae Azar
Editado em 1937.

Mesmo periódicos de nomes mais sério traziam às vezes poesias humorísticas.

A partir da década de trinta do século XX, os jornais já passaram a dar um menor espaço para o humor e a sátira poética, mesmo assim ainda surgiam, misturados às notícias, versos risonhos, como os do Agnaldo Guimarães, que foi comerciário e focalizou com muita graça os contratempos das transações comerciais:

O CALOTEIRO

Entrou um dia, na loja,
Um camarada de fora
E disse: eu quero umas compras,
Mas não posso pagar agora.
Em resposta o lojista
Disse logo ao forasteiro:
Amigo, você tem crédito
Só pra comprar a dinheiro.

Era assim que, na primeira metade do século XX, a imprensa local sorria para seus leitores e criticava os problemas da cidade.

Castigat ridendo mores. Dístico proposto pelo poeta neolatino Jean de Santeuil,
(1630-1697) para dístico de um busto de Arlequim.



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