quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

CELEBRANDO A VIDA E HOMENAGEANDO UM GRANDE CIENTISTA LAFAIETENSE








Dr. Álvaro Lobo Leite Pereira
Recorte de ilustração da reportagem do jornal Estado
de Minas "Família retira tesouro mineiro de velhas malas".



CELEBRANDO A VIDA E HOMENAGEANDO
UM GRANDE CIENTISTA LAFAIETENSE

Avelina Maria Noronha de Almeida


(Texto escrito no ano de 2008)



“Eu gosto de viver. Já me senti ferozmente, desesperadamente, agudamente infeliz, dilacerada pelo sofrimento, mas através de tudo ainda sei, com absoluta certeza, que estar viva é sensacional.”

Agatha Christie (1890-1976), inglesa, a mais famosa escritora de romances policiais de todos os tempos.

“Felicidade é a certeza de que nossa vida não está passando inutilmente.”
Érico Veríssimo (1905-1975), nascido em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, é uma das maiores expressões da literatura brasileira.

“Mais vale salvar uma vida humana do que construir um pagode de sete andares”
Provérbio chinês.

A Campanha da Fraternidade do ano de 2008 teve, como tema, FRATERNIDADE E DEFESA DA VIDA, pregando que defender a vida é uma obrigação de todos. Uma das mais importantes maneiras de proteger a vida está na dedicação dos cientistas em sua missão de zelar pela saúde, lutando para salvar a vida das pessoas.

Marie e Pierre Curie quando, em 1998, descobriram o elemento químico rádio, trouxeram a oportunidade de cura para uma imensidade de pessoas acometida de graves doenças.

Alexander Fleming, pesquisando incansavelmente um antídoto ideal contra micróbios, extraiu do mofo a penicilina, em 1928, descobrindo a preciosa droga salvadora de vidas. Sem ela a tuberculose continuaria sendo um flagelo para a Humanidade.

Os estudos obstinados de Vital Brazil Mineiro da Campanha, mais conhecido pelos dois primeiros nomes, levaram à descoberta do soro antiofídico em 1903 e, por isso, uma picada de cobra deixou de ser fatalidade que levava à morte ou ao aleijão. O mesmo cientista ainda descobriu outros soros contra animais peçonhentos.

Edward Jenner, médico inglês, descobriu a vacina contra a varíola, que passou a ser empregada a partir de 1798. A varíola era uma das mais graves doenças que grassava pelo mundo e, com a vacina, praticamente foi erradicada do nosso planeta.

Quando Pasteur, em seu laboratório em Paris, descobriu a vacina anti-rábica, no ano de 1881, mudou uma terrível realidade. Até então, todos que eram mordidos por cães raivosos estavam condenados à morte.

Outros grandes homens lutaram contra moléstias terríveis, como John Snow, que em Londres, em meados do século XIX, combateu a cólera, que afetava a cidade. Oswaldo Cruz, o grande sanitarista, desenvolveu no Rio de Janeiro, na virada do século XIX para o século XX, uma luta tão difícil contra o mosquito da febre amarela que provocou até, em 1904, a eclosão da Revolta da Vacina. O valoroso médico não se intimidou e terminou vitorioso.

Mas quero falar mesmo é de um MÉDICO LAFAIETENSE, DR. ÁLVARO LOBO LEITE PEREIRA, que desenvolveu importante trabalho científico sobre o bócio endêmico.

Lembro-me muito bem dele... Foi nos primeiros anos da década de 40, quando eu cursava o primário no Colégio “Nossa Senhora de Nazaré”. Duas vezes por semana, a garotada ficava ansiosa pela hora do recreio, principalmente eu que era bem gulosa... É que ali aparecia um homem alto, moreno, um médico. Ele nos dava duas balas, quadradas, avermelhadas: balas de iodo, com sabor de baunilha. Uma delícia!...

Contou a grande amiga Martha Faria Fernandes que essas balas eram fabricadas na Fábrica de Balas de seu pai, o Barão, como era chamado o Henrique Nogueira de Faria.

A fábrica se localizava à rua Assis Andrade, 359, ao lado da casa da família Salgado, das célebres Violas de Queluz. Naquele tempo, não havia na região outras fábricas de bala. Assim, o Barão abastecia não apenas a nossa cidade como localidades próximas.

A indústria funcionava num lugar agradável, pitoresco, com suas enormes fornalhas e com vários sabores de bala, limão, coco, baunilha e outros, como tão bem está descrito em belo poema escrito pela poetisa Martha, filha do Henrique. Os vasilhames apropriados se espalhavam pelas muitas mesas de mármore rústicas, de grande espessura.

Era um espetáculo alegre e interessante, os empregados correndo daqui pra ali, mexendo os tachos, colocando as toras de lenha, jogando a massa para o ar, cortando as balas, tudo artesanalmente porque não havia a tecnologia de hoje, mas com o material usado na fabricação, além de ser in natura, da melhor qualidade. Bons tempos aqueles!!!

Conta ainda a filha do Barão que havia muita movimentação de pessoas de fora, principalmente de crianças, que embrulhavam as balas e pegavam as rapas de tacho.

Porém, nos dias em que havia a manipulação das balas de iodo, não havia acesso a estranhos. Ali ficava o médico, já com líquido na dosagem certa para cada tachada. Era um trabalho feito com muita responsabilidade. O médico exigia que nenhum resíduo das balas fosse aproveitado pelas crianças, como geralmente era feito, pois elas eram um remédio poderoso. Um remédio que muito bem fez à saúde do lafaietense e de muita gente mais com a distribuição daquelas balas nas escolas, principalmente, e também para o povo através da Prefeitura.

Com o trabalho do cientista, a minha geração crescia ficando cada vez mais vacinada contra o bócio, grave problema que era muito comum nestas paragens distantes dos ares marítimos.

ÁLVARO LOBO LEITE PEREIRA era o filho caçula de Eulália Horaida de Queiroz Lobo e de Francisco Lobo Leite Pereira, engenheiro de estradas de ferro e chefe da fiscalização da rede Sul-Mineira, tendo sido dado o seu nome a uma rua em nossa cidade, a rua Francisco Lobo, que se inicia ao lado do Supercomaz. Nasceu em 20 de fevereiro de 1890, em Queluz, atual Conselheiro Lafaiete, onde seu pai naquela época trabalhava na implantação do Ramal do Rio das Velhas e no acesso ferroviário a Ouro Preto. Seus estudos desenvolveram-se no Rio de Janeiro, onde se formou em Medicina.

Casou-se em 1930 com Cecília Burle Lisboa, com quem teve seis filhos: Mário, Maria Augusta, Maria Alice, Luiz Alfredo, Maria Regina e Maria Eulália.

Um importante destaque em sua carreira: recém-formado, fez parte da equipe do Dr. Carlos Chagas, que, em Lassance, descobriu o Trypanossoma e seu veículo, o barbeiro, e realizou excelentes trabalhos em Bambuí sobre o assunto.

Foi também médico auxiliar do serviço rural do Paraná, como inspetor de profilaxia no Norte daquele Estado.





Instituto Oswaldo Cruz

Imagem da Internet


Contratado como assistente do Instituto Oswaldo Cruz em 1926, dedicou sua vida, a partir de então, à renomada instituição científica, ali ficando até sua morte, quando se encontrava em pleno exercício de suas funções.

Passou a chefe de laboratório em 1931 e, em 1937, assumiu o cargo de Biologista-classe L do quadro de pesquisadores de Manguinhos.

Em 1942 foi nomeado chefe do Hospital Evandro Chagas, da Divisão de Estudos de Endemias do Instituto Oswaldo Cruz, sendo designado, em 1943, para substituir a chefia dessa Divisão em faltas e impedimentos do titular.



Conselheiro Lafaiete na época em que Dr. Álvaro Lobo realizou ali seus estudos sobre etiopatia e profilaxia do bócio endêmico em Minas Gerais

Imagem da Internet


No período de 1939 a 1942, foi designado para realizar estudos sobre a etiopatia e a profilaxia do bócio endêmico em Minas Gerais, especialmente no município de Conselheiro Lafaiete, realizando inquéritos sobre a doença e organizando um eficiente plano de profilaxia. Com isso, voltou às suas origens, às quais sempre esteve ligada sentimentalmente, residindo nessa época, com sua família, à rua Tavares de Melo.

Sobre esse período de sua carreira, temos um depoimento no livro A Escola de Manguinhos: contribuição para o estudo do desenvolvimento da medicina experimental no Brasil, de Olympio da Fonseca Filho, Tomo II: Oswaldo Cruz monumenta histórica. São Paulo: [s.n.], 1974, falando sobre estudos em várias áreas:

“Uma dessas áreas, compreendendo vasta extensão dos municípios mineiros de Conselheiro Lafayette e de Ouro-Preto, onde é intensa a endemia bócio-cretínica, foi estudada por Lobo-Leite, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz para isso designado pelo próprio Chagas. Pôde Lobo-Leite verificar que os portadores de bócio dessa região, em que se não encontram triatomíneos infectados, mostram pequena incidência de arritmias e de paraplegias, bem como frequência não maior que a normal de casos de morte súbita de pessoas jovens. A reacção de Guerreiro-Machado (reacção de desvio do complemento para diagnóstico de doença de Chagas) em 71 casos de bócio observados nessa zona deu 65 resultados negativos, um resultado inconcludente e 5 fracamente positivos, estes em indivíduos em que o inquérito epidemiológico indicava possibilidade de infeção fora da área estudada.” (p. 303)

Também encontram-se referências ao trabalho de Lobo Leite no livro La Maladie de Chagas, Histoire d’un fléau continental, de François Delaporte, Paris: Bibliothèque Scientifique Payot, 1999:

“Somente em 1930 aparecem novas formas de experiência: Dias revisa o ciclo evolutivo do Trypanosoma cruzi; Pena de Azevedo revisa o material histopatológico e Lobo Leite realiza novas enquetes epidemiológicas. Com as enquetes epidemiológicas encontravam-se em massa novos vetores e reservatórios de vírus, embora a identificação dos doentes ainda permanecesse rara.” (p. 219)


Em 1945 realizou trabalhos de profilaxia em São Paulo, no município de Rio Claro. Fez estudos sobre bócio e outras endemias na região de Aragarças, Goiás e, em 1948, realizou estudos epidemiológicos no Planalto Central de Goiás.
Em 1950, foi promovido por merecimento e passou para a classe M da carreira de Biologista do Ministério da Educação e Saúde.

Diz Emerson: “Toda Instituição é a sombra alongada de um homem” Também as obras escritas podem atestar, de acordo com seu valor, a grandeza e a importância de quem a escreve. Por isso, vou passar os títulos de trabalhos deixados por Dr. Lobo, que demonstram a relevância de seus estudos e pesquisas:

Trabalhos publicados pelo cientista aqui focalizado:
• Aspecto comum da Trypanosomiase Americana (com E. Villela, J. C. Penido e Evandro Chagas). Revista das Clínicas, 1929, 3 (4): 2.
• Ètudes Ematologiques dans La Fièvre Jaune. C. R. Soc. Bio.., 1919, 100 (II) : 946.
• Estreitamento Congênito da Artéria Pulmonar (com Evandro Chagas). A Folha Médica, 1930, 11 (7) : 73.
• Sur lles Anophélinées qui Transmettent Le Paludisme au Brésil (com A Godoy e O. Cruz Filho). C.R. Soc. Biol., 1930, 105 (34) : 731.
• Gasometria e Dosagem de Uréia por meio de um Dilatômetro. Acta Médica, Vol. III, nº 3 – março 1939.
• Doença de Chagas e Bócio Endêmico. Brasil Médico. 1939; 53 (46) : 1031.
• A Endemia Bócio-Cretínica no Brasil e sua Profilaxia. Conferência realizada na 2ª Quinzena Médica de Belo Horizonte, Setembro de 1940.
• Bócio Endêmico e Doença de Chagas. O Hospital (S. Fr. De Assis, Rio, 1942 21 (6) : 817.
• O Bócio Endêmico em Minas Gerais. Mem. Instit. Oswaldo Cruz, 1943, 38 (I) : 1.
• Profilaxia do Bócio Endêmico pela Iodetação do Sal. Arq. Bras. De Nutrição. 1944, I (2) : 87.
• Memorial sobre a necessidade da Instituição do Sal Iodado nas Regiões Bociógenas do Brasil (Trabalho apresentado à coordenação da Mobilização Econômica, por intermédio do Instituto Oswaldo Cruz), em abril de 1944.
• Terão os Flebótomos algum papel na transmissão do Trypanosoma Cruzi entre os lasipodídeos (trabalho apresentado ao Congresso Sul-Americano de Medicina reunido no Rio de Janeiro), 1946.
• Doença de Chagas e Endemia Bócio-Cretínica – Necessidade urgente de se proceder à profilaxia de ambas. (Trabalho apresentado no Congresso Sul-Americano de Medicina), em 1946.

Quando terminou seu trabalho de campo em Conselheiro Lafaiete, onde fundou o Primeiro Centro de Estudos do Bócio Endêmico do Brasil, voltou o médico para o Rio de Janeiro, mas continuou sempre preso à sua terra natal. Em jornais antigos, por várias vezes vi nota referentes à sua presença na cidade, hospedado em casa de seu primo e amigo Fortunato Lobo Leite.

Comprou um sobrado em Lobo Leite (antiga Soledade), terra de sua família, onde já tinha terras herdadas de seus antepassados e ali ia sempre que possível. Após sua morte, seus filhos, netos e bisnetos continuaram a passar férias em Lobo Leite, com que reverenciando a sua memória.



Imagem da Internet


Em 1945/46, ajudado pelo pessoal do lugar, ele implantou naquele lugar uma pequena Usina Hidroelétrica compreendendo barragem, rego d’água, turbina, gerador e rede de distribuição de energia, sendo que essas instalações serviram à população até a chegada da Cemig..

Quando faleceu, no Rio de Janeiro, em 20 de julho de 1950, Dr. Álvaro Lobo Leite Pereira estava ajudando a implantar o sal iodado no Estado do Rio de Janeiro.

A missão do ilustre cientista em nossa cidade e região ajudou muito a solucionar um grave problema de saúde. O bócio consiste no aumento perceptível da glândula tireóide, causando o hipotireoidismo, o que provoca cansaço, desânimo, movimentos lentos, memória fraca e muitos outros sintomas desagradáveis e, quase sempre, até mesmo sérios.

Desde o século XXIII, a prevalência do bócio endêmico nas regiões brasileiras distantes do mar preocupava médicos, cientistas e naturalistas, principalmente os viajantes estrangeiros no século XIX, como Saint-Hilaire, Luccok, Spix, Von Martius e outros, descrevendo esse problema em seus livros. Um deles, no momento não me lembro qual, dizia ser tão séria a presença do bócio em Minas Gerais, que havia um arraial onde praticamente todas as pessoas sofriam de bócio e, em um deles, onde o mal acometia praticamente todos os habitantes, nenhum homem aceitaria casar com uma jovem que não tivesse “papo”.

Dr. Álvaro defendeu ardorosamente o emprego do iodo no sal como a solução mais eficiente e econômica de profilaxia e erradicação do bócio endêmico nas regiões interioranas. Seu trabalho não foi em vão.

Finalmente, os meios científicos e a administração pública promoveram a introdução do sal iodado na cozinha do brasileiro, passando a ser obrigatória por imposição legal, inicialmente com a Lei nº 1944, de 14/08/1953, obrigando a iodetação nas regiões bociógenas. A Lei nº 6150, de 03/12/74 preceitua o uso em todo o território nacional.

Faço a minha homenagem à memória daquele homem que, num certo período, trouxe alegria e saúde a mim e as outras crianças lafaietenses através das suas deliciosas e benéficas balas de iodo.


















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