quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

UM NABABO EMPREENDEDOR EM NOSSA HISTÓRIA




















Igreja da Passagem em Gagé



UM NABABO EMPREENDEDOR EM NOSSA HISTÓRIA

Avelina Maria Noronha de Almeida


Um dos intuitos desta coluna é garimpar aqui e ali, em livros que não estão facilmente disponíveis, alguns fatos da história de Conselheiro Lafaiete e trazê-los para para os nossos leitores. Uma das melhores fontes, e que ainda espero usar muitas vezes, é “MINHAS RECORDAÇÕES” de Francisco de Paulo Ferreira de Rezende, que sempre nos traz alguma novidade.

É assim que ele nos relata;

“Além da Freguesia da Itaverava, em que se descobriu o primeiro ouro de Minas, e a de Catas Altas, em que este se mostrou muito mais abundante, ainda havia em Queluz um lugar que se tornou notável pela grande quantidade que aí se retirou desse metal. Este lugar chama-se Passagem e fica a uma légua mais ou menos de Congonhas.”

Um parênteses na história: Passagem é um local ao qual se vai entrando em Gagé ou continuando o caminho de Casa Branca, vindo da Santa Efigênia, e que faz parte de uma de minhas hipóteses a respeito dos primeiros tempos de nossa cidade. Penso que ali seria o aldeiamento de índios carijós e mineradores que garimpavam na Serra de Ouro Branco (Serra do Deus Te Livre), o qual foi visto por bandeirantes, de acordo com informação de Saint-Adolphe, um desses viajantes estrangeiros que aqui vieram no passado e nos deixaram muitas notícias importantes. Creio que escavações naqueles locais poderiam trazer um material arqueológico valiosíssimo.

Continuemos com Ferreira Rezende:

“Um dia em que eu viajava lá para os lados de Ouro Preto, atravessei um rego que se dirigia para as bandas da Passagem; e eis aqui o que a seu respeito me contaram. Possuindo alguma fortuna e sendo um homem extremamente empreendedor, o dono ou o descobridor daquelas minas, que sabia muito bem quanto eram ricas e que pouco ou nada podia fazer, por causa da água que era escassa ou não era suficiente para ser útil, já não sabia de que expediente pudesse lançar mão que o tirasse daquela tão grande contrariedade, quando afinal julgou achar esse meio. E eis aqui qual foi. Como se sabe, na serra que passa próximo de Queluz, há um lugar em que se encontra, a muito pequena distância, águas que correm para o Piranga ou Rio Doce, para o Paraopeba ou S. Francisco e finalmente para o Carandaí ou Rio Grande; e caminhando-se desse ponto para os lados do Ouro Preto, vai-se tendo sempre à direita as águas do Rio Doce e à esquerda as do S. Francisco. Vendo, pois, aquele homem, que não achava na bacia do Paraopeba a água de que tanto precisava, resolveu trazer para a bacia deste rio um córrego que na vertente oposta descia para o Piranga; e, embora tivesse, para isso, de vencer não pequenas dificuldades e uma distância de algumas léguas, empreendeu a tirada do rego. Como, porém, as suas posses não davam para uma tão grande empresa, contraiu entre os seus amigos e conhecidos um grande número de dívidas; meteu-se na mata e nunca mais apareceu, para que, enquanto tirava o rego, que devia levar muito tempo, não fosse ele inquietado pelos seus credores”.

Continua o escritor relatando a história do morador em Passagem que, em sua visão arrojada e espírito aventureiro, lembra – respeitadas as devidas proporções – o grande Barão de Mauá. Francisco de Paula Ferreira Rezende conta os fatos com seu estilo literário sugestivo e agradável:

“Diante de um tal desaparecimento, os credores trataram de acioná-lo à revelia; prepararam as suas execuções; e quando o misterioso fujão de novo apareceu no campo, nas imediações de Ouro Branco e à frente do rego que vinha agora trazendo, sem mais demora começaram a cair sobre ele as citações para a penhora, e ele, pelo seu lado e com a maior impassibilidade, a pedir vista para embargos”.

Em sua teimosa atividade, foi ajudado pela sorte. O governador e capitão-geral, sabendo do fato ou devido a denúncias, chamou o homem para saber “se era exato que ele havia pedido vista para embargo de todas aquelas execuções e se era possível que em tão grande número de credores e de dívidas não houvesse um só que não fosse um velhaco ou uma só que não fosse filha da fraude”.

O homem foi muito seguro e correto em suas explicações ao governador, dizendo, de seus credores, que eram homens “muito de bem” e que realmente devia tudo o que cobravam; que pedira vista às execuções para ganhar tempo e “não ter o desprazer de naufragar quando já estava quase que entrando no porto”. Logo que chegasse com as águas à mina, pagaria os seus credores e “se julgaria bastante rico para dar disso prova à Sua Majestade e ao seu representante na colônia”. Imagino que essas últimas palavras tiveram efeito decisivo na benevolência daquela autoridade... O governador prometeu fazer com que os credores esperassem até o fim da obra mas que “se as coisas não saíssem como dizia, era com ele, governador, que teria de haver-se.

Pois o homem conseguiu levar as águas aonde desejava e pagou generosamente todos os seus credores, naturalmente com bons juros. O relato do livro não fala sobre a recompensa à Sua Majestade e ao governador, mas é de se supor que tenha sido também generosa.

Foi quando se tornou um verdadeiro nababo. Voltando ao livro: “.. e a sua riqueza tornou-se tal que, sendo uso naquele tempo pulverizarem as mulheres os seus cabelos com uma espécie de pós brancos, as suas filhas (se não há em tudo isto no meu espírito alguma confusão de fatos e pessoas) quando iam à igreja, pulverizavam os seus com ouro em pó”.

Verdadeiramente é um final de feliz sucesso. Um happy end depois de tanta luta. Mas... quanto tempo terá durado? Não sabemos. O escritor conclui melancolicamente, embora não afirme categoricamente que seja verdade:

“Entretanto, se, como disse, não estou confundindo dois fatos distintos que se deram no mesmo lugar ou que me contaram em ocasiões diversas, eu ainda alcancei netos ou bisnetos desse homem que se achavam reduzidos não só à mais simples pobreza mas quase que ao estado de verdadeiros mendigos”.

FRANCISCO DE PAULA FERREIRA DE REZENDE é patrono de uma cadeira da Academia de Ciências e Letras de Conselheiro Lafayette. Merecidamente, porque ele abre uma janela ampla para o passado de nossa terra, na qual se pode debruçar e vislumbrar, como se fossem episódios de um filme, cenário, personagens e fatos da gente de Carijós e de Queluz.

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