sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

MINHA BISAVÓ CHIQUINHA




















MINHA BISAVÓ CHIQUINHA E SUA ASCENDÊNCIA PURI

Avelina Maria Noronha de Almeida


Minha trisavó era índia puri, como dizem, “pega a laço”.

Minha bisavó Francisca era filha dela com um fazendeiro da região. Chiquinha, com a chamavam, Casou-se com João, um carpinteiro, de família descendente de portugueses. Tiveram dois filhos e cinco filhas, uma delas a minha bisavó Avelina. Ela e a irmã Zulmira apresentavam a tez mais clara. Tio Elir, tia Ascendina, tia Maria e tia Joana tinham, como os puris, tez cor de cobre. Quase todos os seus rebentos tinham cabelos lisos e grossos, negros, luzidios e bastos, iguais aos da mãe Francisca.

Uma prima idosa contou-me que, quando pequenina, estava sentada num degrau da cozinha, junto com minha bisavó Francisca. Esta penteava os cabelos, que iam até as cadeiras. Já estava nesse afazer havia bastante tempo, mas ainda não conseguira deixar os cabelos como o desejado. Foi quando se impacientou e disse irritada:

- Também estes cabelos de puri!.

Outras características que são citadas como daqueles indígenas aparecem em vários descendentes de minha bisavó Chiquinha: pescoço curto, ventre exuberante nas mulheres, pernas finas, pés estreitos atrás e largos na frente. Também já li que havia um tipo de reumatismo entre os puris e, nos descendentes da minha antepassada, é muito freqüente esse problema. Outro detalhe é a tez lisa dos puris e tenho tias-avós com 90 e 92 anos com a pele do rosto praticamente lisa.

Chiquinha era raizeira: ia sempre nos matos para procurar plantas curativas e também chamada para rezar certas orações para a mulher que estava para ter criança. Quando chamavam a parteira, já chamavam também minha bisavó para benzer.

Uma coisa curiosa. Tinha dentro de casa um tatu, como se fosse um cachorrinho. Seria uma saudade atávica da mata?

Chiquinha trabalhava muito. Era a melhor quitandeira da cidade. No fundo da casa havia um terreno imenso, cheio de coqueiros. Ela punha os coquinhos a secar enterrados no chão, onde batesse bastante sol; plantava amendoim; moía os coquinhos e o amendoim para fazer doces. Também os fazia com as frutas do pomar. Certo dia, uma vizinha estranhou que Chiquinha estivesse fazendo arroz para a janta e perguntou-lhe por que não fazia no almoço quantidade que desse para de tarde. Ela retrucou:

- Pra que? O melhor do arroz é fazer...

Uma tarde estava na janela e uma pessoa, sabendo-a sempre atarefada, perguntou:

- Chiquinha, o que você está fazendo na janela?

Respondeu:

- Estou olhando as pessoas passarem e ver quem eu vou chamar para tomar café comigo hoje.

Pessoa muito acolhedora, a casa dela ficava sempre de porta aberta e cheia das pessoas que moravam na Chapada, nome da rua em que residia. Trançavam o dia inteiro por lá e ela dava atenção a todos. Mas às vezes cansava. Tivera um câncer no peito, o que devia ter enfraquecido um pouco o seu corpo. O que fazia? Ia para o fundo do seu terreno, num lugar em que o mato era bem alto, e lá, no meio dele, cavava uma cama no chão, ali se deitava e ficava quietinha. Não a encontrando em casa, vinham procurá-la no pomar. Passavam pertinho dos tufos de mato. Gritavam:

“- Chiquinha! Chiquinha...”

E ela lá, bem quieta, deixava que fossem embora. Interessante que Debret, nos livros em que conta suas viagens pelo Brasil, diz que os índios puris cavavam a terra e faziam suas camas. Um outro arqueólogo, não me lembro qual no momento, dizia ter encontrado o esqueleto de um puri numa posição que sugeria ser confortável, num cavidade redonda, como uma bacia, feita na terra. Será que Chiquinha soube a respeito da cama dos antepassados por relato da mãe índia e fazia o mesmo? Ou terá visto a mãe fazê-lo? Será que era intuitivo, um comportamento atávico?

Na sua cozinha, muito grande porque tinha num dos lados a mesa de carpinteiro do marido, havia um grande fogão de lenha. As paredes da casa toda eram de pau a pique revestidas de uma camada de barro. O chão era de terra. Já a casa do filho de meus bisavós, encostada à deles, era um bangalô muito bonitinho. Parece-me que vovó é que gostava daquele ambiente primitivo, não queria mudá-lo.

No meio da cozinha havia um afundamento redondo e ali acendiam uma fogueira. A casa também não tinha eletricidade, embora a rua em que moravam fosse próxima ao centro da cidade e todos os vizinhos tinham a luz elétrica. À noite a família ia para lá. Todos sentados em volta da fogueira no meio da cozinha. Contavam casos dos amigos, de assombração... Pena que não conheci a fabulosa Chiquinha, pois quando, menina ainda, passei a freqüentar aquela casa, só estava vivo o meu bisavô. O que eu sei dela foi contado por minha mãe e minhas tias.

Chiquinha morreu às vésperas do Natal. Era noite. As filhas casadas moravam em outras cidades e tinham vindo para a ceia. A casa estava lotada. Cansada, pois fizera muito pão, muitas quitanda, doce, cozinhara as carnes e guardara tudo em baús para serem usados na ceia de Natal, fora para o quarto repousar.

Ao deitar-se, sentiu-se mal. Chamou o marido e os filhos e fez seu último pedido:

- Quero que façam a ceia como todos os anos.

Pediu o crucifixo e disse “Meu Deus!” e morreu.

Cumpriram a sua vontade. No dia 24 a ceia foi feita. Todos em volta da mesa, chorando, comendo tanta coisa gostosa que Chiquinha fizera para eles.

A vida inteira minha bisavó lutara com a epilepsia de seu filho Eurico, catando plantas pelo mato, fazendo benzeções, rezando orações que o vigário lhe ensinara. Na hora do enterro, todos preocupados com o Eurico. Como ele iria se arrumar sem a mãe para tomar conta dele. Realmente, ele teve um ataque, caindo em cima da terra que jogaram sobre o caixão. Foi o último. Nunca mais teve nenhum problema. Ficou curado da epilepsia. Foi para Belo Horizonte, arrumou emprego. Tocava violino muito bem e mostrava o seu talento na igreja de São Geraldo, onde era muito estimado. Morreu já idoso.

Era assim minha bisavó Chiquinha, que passou para nós, de sua família, a herança recebida de sua mãe índia puri: características físicas, tendências e nem sabemos o quanto mais nós temos daqueles gentios em nossa personalidade e em nossos comportamentos.

Nós, descendentes dela, que era filha de uma “índia pega a laço”, temos um enorme carinho pela sua figura quase lendária, um marco da presença do sangue dos primeiros habitantes de nosso País em nossas veias.




6 comentários:

  1. Este texto é muito emocionante minha amiga,
    é bom escrever sobre as nossas raízes com ternura
    Também fiz um post sobre recordações da minha avó, que me fascinava quando lá ia e que a casa dela se enchia das flores de papel que iriam cobrir o carro do Carnaval do bairro,
    nesse tempo os habitantes dos bairros faziam as decorações dos carros de Carnaval e as flores eram feitas ao serão na casa das pessoas onde os vizinhos se juntavam, as fotos são do ano passado, mas a tradição mantém-se com as flores de papel que agora são feitas num armazém da Câmara Municipal por pessoas contratadas pela Câmara
    dou-lhe o link espero que com o tradutor da bandeirinha possa ler e encontrar alguma semelhança nas emoções que sente com as recordações da sua bisavó

    http://portugalredecouvertes.blogspot.pt/2013/02/ma-grand-mere-et-les-fleurs-en-papier.html

    muitos abracinhos para si
    Angela

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  2. tudo bem parente sou o cacique taipuru Puri poderiamos conversar sobre nossa familia puri meu facebook e taipuru puri ficarei feliz em tela na familia como india novamnte

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  3. tudo bem parente sou o cacique taipuru Puri poderiamos conversar sobre nossa familia puri meu facebook e taipuru puri ficarei feliz em tela na familia como india novamnte

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  4. Fiquei emocionado com seu texto, que tocou fundo no meu coração. Estou fazendo um documentário sobre as pessoas que possuem ascendentes indígenas e gostaria muito de aproveitá-lo, se voce autorizar.

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  5. Prezado Ricardo:
    Eu é que fiquei emocionada porque você gostou do meu teto. Ficarei muito feliz se você aproveitá-lo! Claro que autorizo.
    Abraço.
    Avelina

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  6. Também descendo da raiz puri,por parte paterna a vó de meu foi uma Índia puri pega a laço...Minha bisavó só não sei o nome que ela tinha...Minha vó filha de Índia puri faleceu 2 anos atrás,sinto muito falta dela,meu pai tbm,fazia chás naturais com ervas,era linda ,forte,uma Índia de cabelos compridos ,morreu as 83 anos,so deixou saudades vovó Efigênia clara!Me sinto feliz por ter um pouco desse sangue correndo em min..Muito bom seu texto amigo...Abraços

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